12 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (36)

 

O PUGILATO ORTOGRÁFICO

 

Saía a tasquinhar uma banana

e a assobiar o Barba Azul, contente…

quando um homem de farda, e outro à paisana,

se esmurram e assopapam rijamente.

 

Ferro pelo cachaço o mais valente,

o qual me diz com cólera e com gana:

– «Saiba o senhor que esta guerreia insana

«é toda por um chícharo somente!»

 

« – Um chícharo!», guincha o outro mais trigueiro

que tinha as omoplatas num pandeiro,

e em sarrabulho as ventas e o nariz…

 

«Maroteira mais pícara não há!

«Chícharo escrevo eu, com ch.

« Ousa escrevê-lo este marau com x.»

 

GOMES LEAL, Mefistófeles em Lisboa (1907)

 

7 comentários:

  1. Respostas
    1. GOMES LEAL (1848-1921), o poeta que foi apedrejado pelos garotos de Lisboa.

      A palavra a JOSÉ GOMES FERREIRA que soube do seu grito no céu:

      «Cansado de dormir no basalto,
      morri e meteram-me numa nuvem de elevador.
      E agora cá estou no céu alto
      com uma estrela ao peito em vez de flor.

      Mas qualquer dia dou um salto.
      (Ou peço a um anjo que me transporte
      para não quebrar as pernas.)

      Estou farto de céu e quero mundo! Quero morte!
      Quero dor! Quero tabernas!»

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    2. Valeu-lhe o Batalha. O Castro também vociferou no seu funeral.

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  2. Sinto-me grato. Não conhecia Gomes Leal senão de nome. Numa simples brincadeira revela o seu talento.

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    1. Experimente saborear a «História de Jesus para as Criancinhas Lerem». Acho que o tenho no Carrascal.

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  3. Se a opção dependesse de um estalar de dedos, eu preferiria o «X». E gostei da paródia, tão atual!

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