13 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (37)

 

QUALQUER COISA DE INTERMÉDIO

 

                    Eu não sou um nem outro:

                        Sou qualquer coisa de intermédio

                                                                M. de Sá-Carneiro

 

Se eu fosse o outro,

o do chapéu macio e do bigode

eternizado em cúbico arremedo,

angústia dividida em tantas partes

e óculos redondos,

podia-te contar eu guardador e sonhos

 

Se eu fosse o outro,

o delicado e bêbado génio de nós todos,

o que amou estranho e sabia dizer

coisas enormes numa pequena língua

e fraco império,

se eu fosse aquele inteiro

ditado de exageros e exclusões,

falava-te de tudo em ingleses versos

 

E mesmo se não foi ele quem disse

(e podia até ser, que eram amigos

e o século a nascer arrepiava como já não

o fim) há razão nessa história do pilar

e do tédio a escorrer de um

para o outro

 

ANA LUÍSA AMARAL, Minha Senhora de Quê (1990)


5 comentários:

  1. Na minha edição da poesia de MS-C (Edições Ática), o poema "7" de INDÍCIOS DE OIRO vem assim:
    «Eu não sou eu nem sou o outro,
    «Sou qualquer coisa de intermédio:
    « Pilar da ponte de tédio
    «Que vai de mim para o Outro.»
    Há algumas diferenças no 1º verso citado por ALA.

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  2. Gosto muito da sua poesia. Também consta da minha lista.

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  3. Gostaria de saber a quem se refere (parece haver um alvo). Não consegui evitar que me lembrasse de Fernando Pessoa.

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    1. O 'do chapéu macio e do bigode', Mário; o 'delicado e bêbado génio', o Fernando. Penso eu de que...

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