LISBON REVISITED
(1923)
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não
me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu,
das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização
moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só
dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito
a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e
tributável?
Queriam-me o contrário disto, o
contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a
todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero
ser sozinho,
Já disse que sou só sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de
companhia!
Ó céu azul – o mesmo da minha infância
–,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de
hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois
que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu
nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio
quero estar sozinho!
ÁLVARO DE CAMPOS
Pois é...embora muito revisitado é sempre agradável relê-lo pela lucidez.
ResponderEliminarCuriosamente, ou não, veio-me à memória o Régio.
ResponderEliminarFoi publicado na "Contemporânea" n. 8 em Fev. 1923. O 'Cântico Negro' saiu em 1925/26. É um caso para ver...
EliminarPalmas ao F. P. / A. de C.
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