17 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (41)

 

Ao entardecer, debruçado pela janela,

E sabendo de soslaio que há campos em frente.

Leio até me arderem os olhos

O livro de Cesário Verde.

 

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês

Que andava preso em liberdade pela cidade.

Mas o modo como olhava para as casas,

E o modo como reparava nas ruas,

E a maneira como dava pelas coisas,

É o de quem olha para árvores,

E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando

E anda a reparar nas flores que há pelos campos…

 

Por isso ele tinha aquela grande tristeza

Que ele nunca disse bem que tinha,

Mas andava na cidade como quem anda no campo

E triste como esmagar flores em livros

E pôr plantas em jarros…

 

ALBERTO CAEIRO, poema III de “O Guardador de Rebanhos”, 1911-1912


3 comentários:

  1. Que bem que ele apanha a tristeza do Cesário -- que parece ser uma tristeza já nossa quando o lemos, porque lhe conhecemos o destino.

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  2. Sim o Ricardo disse tudo...."uma tristeza já nossa" ...quando encontramos as portas fechadas da nossa aldeia e os sinos tocam com uma enorme surdez por dentro do silêncio dos objectos que nos fazem perguntas impossíveis.

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  3. Este poema, que não conhecia, foi como uma pílula de melancolia, para mim. Mas uma melancolia doce, que faz humedecer os olhos de encanto... perante Cesário, perante Alberto Caeiro, e perante os campos...

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