24 de novembro de 2023

101 poemas portugueses - #9

 

SONETO


Sobre estas duras, cavernosas fragas,

Que o marinho furor vai carcomendo,

Me estão negras paixões n'alma fervendo,

Como fervem no pego as crespas vagas.


Razão feroz, o coração me indagas,

De meus erros a sombra esclarecendo,

E vás nele (ai de mim!) palpando e vendo

De agudas ânsias venenosas chagas.


Cego a meus males, surdo a teu reclamo

Mil objectos de horror co a ideia eu corro,

Solto gemidos, lágrimas derramo.


Razão, de que me serve o teu socorro?

Mandas-me não amar; eu ardo, eu amo:

Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.


Manuel Maria Barbosa du Bocage (Setúbal, 1765 - Lisboa, 1805)

in José Régio (Vila do Conde, 1901-1969), As Mais Belas Líricas Portuguesas (s.d.)

3 comentários:

  1. Bocage, legível....o coração tem razòes que a razão desconhece é lugar-comum No entanto, é positiva a preocupação com a vigilância da Razão presente já em Camôes ( com o qual poeta Bocage se assemelha, conforme escreveu). Erros meus que Natália foi repescar para a biografia do Épico.Bocage tão esquecido e a reler.Boa escolha

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. De facto, o Bocage nem sempre é legível no seu arcadismo. Aqui, temos já o pre´-romântico desabrido.

      Eliminar
  2. Amor é doença mental, digo eu prosaicamente há muitos anos.
    J. A. Marcos Serra

    ResponderEliminar