EPÍSTOLA PARA UM CISNE
Cisne, que não conheces na água o teu reflexo verde
quando sob o teu corpo é dia e o sol afaga quedo
ou quando do teu parte há a sombra negra igual
a tudo o que está negro, e é noite, e abandono e medo.
Nem concebes o amor, nem Leda, nem sequer eu mesma
que te amo no poema e temo o canto imaginado
que não cantaste agora ou não ouvi, de madrugada
quando a minha mãe morta era somente insone.
Nunca viste a beleza, nem a vida e os lábios
que sopram as primeiras e últimas palavras, ou
o hálito que sai sem voz da dor mais desolada.
Nem a doença, a morte e os olhos sem imagens
do ar e das cores várias viste em que tu vogas branco.
É falso que celebres sozinho a tua morte e o fim,
se não sabes que só o teu outro cisne se perde.
Mas quando vi insone e logo morta a minha mãe
estou certa de que a cega, a muda, falsa ave cantou.
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO, Epístolas e
Memorandos (1996)
Na Poesia 61, os maiores poetas foram as mulheres.
ResponderEliminarImagino quão doloroso foi à querida Fiamma escrever este poema. É certo, é figura fundamental da Poesia 61 e Gastão Cruz reserva-lhe muito espaço na Senda. É poema profundo para reler muitas vezes .Faz-me revisitar o mito.Belo poema.
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