19 de novembro de 2023

TEM DIAS XI

 


Um rumor de árvores num obscuro frescor

que trespassa o jardim e o patamar deserto

o bafo de uma lâmpada nocturnamente azul

um eco de cavalos uma sombra materna

um crepúsculo de água uma flauta cintilante

uma alameda húmida em vegetal sossego

um odor de segredo que amanhece no vidro

gotas de sombra pesadas sinuosas

o tecido de chuva ondulando nos telhados

a música das cadeiras em círculo no terraço

e as escadas que delicadas sobem no vazio


ANTÓNIO RAMOS ROSA, As armas imprecisas, 1992


4 comentários:

  1. Muito bom este algarvio! Lembro-me sempre dos poemas "O boi da paciência" e "O funcionário cansado". Nos meus 47, publiquei-lhe «Amor da palavra, amor da voz», dedicado a Maria Aliete Galhoz. Desde os tempos do Gharb-al-Andaluz que o Algarve tem grandes poetas. O maior é talvez Álvaro de Campos, natural de Tavira, segundo diz Fernando Pessoa. Já procurei, mas não encontrei certidão de nascimento que o ateste. Ele há coisas...

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    1. TALVEZ um convívio próximo com uma tia espírita possa ter originado essas multiplicidades.

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  2. Tem dias em que gosto muito do Ramos Rosa, e hoje é um deles.

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  3. Ah, Ramos Rosa ❤️ No próximo ano comemora-se o centenário do seu nascimento. 17 de Outubro de 1924. Andei a pesquisar mas ainda nada encontrei de possíveis eventos ou actividades. Talvez seja cedo.

    E com este poema lembrei-me de "Árvores". Partilho aqui 😊

    "O que tentam dizer as árvores
    no seu silêncio lento e nos seus vagos rumores,
    o sentido que têm no lugar onde estão,
    a reverência, a ressonância, a transparência
    e os acentos claros e sombrios de uma frase aérea.
    E as sombras e as folhas são a inocência de uma ideia
    que entre a água e o espaço se tornou uma leve integridade.
    Sob o mágico sopro da luz são barcos transparentes.
    Não sei se é o ar se é o sangue que brota dos seus ramos.
    Ouço a espuma finíssima das suas gargantas verdes.
    Não estou, nunca estarei longe desta água pura
    e destas lâmpadas antigas de obscuras ilhas.
    Que pura serenidade da memória, que horizontes
    em torno do poço silencioso! É um canto num sono
    e o vento e a luz são o hálito de uma criança
    que sobre um ramo de árvore abraça o mundo."

    e o vento e a luz são o hálito de uma criança
    que sobre um ramo de árvore abraça o mundo ❤️

    António Ramos Rosa em "Obra Poética I"
    Assírio & Alvim
    1ª edição, Setembro de 2018
    Página 1176

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