O CONVERTIDO
(A GONÇALVES CRESPO)
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas, um dia, abalou-se-me a firmeza,
Deu-me rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!
Antero de Quental (Ponta Delgada, 1842-1891),
Sonetos Completos (1886), edição de Oliveira Martins
Antero é tido como um grande poeta. Não será antes de mais um filosofo? Confesso, no entanto, que pouco conheço da sua obra...
ResponderEliminarO Antero é um grande poeta do século XIX, cuja poesia reflectia as suas inquietações metafísicas. E se tal era um motivo poético então, continua a sê-lo hoje. Tudo tem a sua poética, tudo é passível de poesia, do mais profundo ao mais comum. Só a banalidade do lugar-comum, as frases feitas estão fora da poesia, por muito que se procurem apresentar como tal -- penso eu.
Eliminar«Um génio que era um santo», disse o Eça. E no entanto, lá o ouvimos nas "Odes Modernas": «Se já desaba o tecto das Igrejas / E o dossel desses Tronos / É porque um céu maior nos cubra... / O céu da Liberdade».
ResponderEliminarAté porque ali não residia santidade nenhuma. O Eça, que também era crente -- ou melhor, que sempre o fora e nunca deixou de o ser, mas republicano é que nunca -- e tinha outro sentido prático da existência, não desdenharia, contudo, totalmente dessa ode, na sua curta senectude.
EliminarEsta evolução de pensamento aconteceu (e acontecerá) a muitos; alguns são capazes de descrevê-la em tom poético, outros não.
ResponderEliminarE, se omitirmos o último verso, é claríssimo que, para o autor, existe.
O problema, meu caro, é que não se pode omiti-lo...
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