9 de dezembro de 2023

101 poemas portugueses - #12

 

O CONVERTIDO

(A GONÇALVES CRESPO)


Entre os filhos dum século maldito

Tomei também lugar na ímpia mesa,

Onde, sob o folgar, geme a tristeza

Duma ânsia impotente de infinito.


Como os outros, cuspi no altar avito

Um rir feito de fel e de impureza...

Mas, um dia, abalou-se-me a firmeza,

Deu-me rebate o coração contrito!


Erma, cheia de tédio e de quebranto,

Rompendo os diques ao represo pranto,

Virou-se para Deus minha alma triste!


Amortalhei na fé o pensamento,

E achei a paz na inércia e esquecimento...

Só me falta saber se Deus existe!


Antero de Quental (Ponta Delgada, 1842-1891),

Sonetos Completos (1886), edição de Oliveira Martins

6 comentários:

  1. Antero é tido como um grande poeta. Não será antes de mais um filosofo? Confesso, no entanto, que pouco conheço da sua obra...

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    1. O Antero é um grande poeta do século XIX, cuja poesia reflectia as suas inquietações metafísicas. E se tal era um motivo poético então, continua a sê-lo hoje. Tudo tem a sua poética, tudo é passível de poesia, do mais profundo ao mais comum. Só a banalidade do lugar-comum, as frases feitas estão fora da poesia, por muito que se procurem apresentar como tal -- penso eu.

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  2. «Um génio que era um santo», disse o Eça. E no entanto, lá o ouvimos nas "Odes Modernas": «Se já desaba o tecto das Igrejas / E o dossel desses Tronos / É porque um céu maior nos cubra... / O céu da Liberdade».

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    1. Até porque ali não residia santidade nenhuma. O Eça, que também era crente -- ou melhor, que sempre o fora e nunca deixou de o ser, mas republicano é que nunca -- e tinha outro sentido prático da existência, não desdenharia, contudo, totalmente dessa ode, na sua curta senectude.

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  3. Esta evolução de pensamento aconteceu (e acontecerá) a muitos; alguns são capazes de descrevê-la em tom poético, outros não.
    E, se omitirmos o último verso, é claríssimo que, para o autor, existe.

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    1. O problema, meu caro, é que não se pode omiti-lo...

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