11 de dezembro de 2023

21 POEMAS DO SÉCULO 21 - VII

 

O POEMA


O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.


JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA (1965), A Estrada Branca (2005)


5 comentários:

  1. Para já não sou leitor do JTM. Tenho dias...mas gostei deste trabalho. O incipit fez-me evocar muito Herberto que já li por aí na mesma onda e que o autor conhece certamente. ."uma profissão de incrudelidade":isto é Helder. Sendo que parafraseando Gastão HH nada tem a ver com o real deste mundo como nós julgamos conhecer e de onde nunca saimos...para continuar Gastão.

    ResponderEliminar
  2. Não sei se a frase citada «é Helder», mas de que o Tolentino o conhece bem, tenho a certeza. Transcrevo de "Os Dias Contados" (1990), o seguinte poema:

    A INFÂNCIA DE HERBERTO HELDER

    No princípio era a ilha
    embora se diga
    o Espírito de Deus
    abraçava as águas

    Nesse tempo
    estendia-me na terra
    para olhar as estrelas
    e não pensava
    que esses corpos de fogo
    pudessem ser perigosos

    Nesse tempo
    marcava a latitude das estrelas
    ordenando berlindes
    sobre a erva

    Não sabia que todo o poema
    é um tumulto
    que pode abalar
    a ordem do universo agora
    acredito

    Eu era quase um anjo
    e escrevia relatórios
    precisos
    acerca do silêncio

    Nesse tempo
    ainda era possível
    encontrar Deus pelos baldios

    Isso foi antes
    de aprender a álgebra

    ---



    ResponderEliminar
  3. Em meia dúzia de linhas, um tratado sobre a poesia. E que bem escrito!
    E depois vem o doutor MJMN com mais umas coisinhas para complemento...

    ResponderEliminar
  4. Quando se sente, o poema sai. Em todos os outros casos, amassa-se, fermenta-se e expele-se (há uma expressão popular - omito - que define o caso).
    Bem quereria que os poucos que rabisquei pertencessem todos ao primeiro grupo.

    ResponderEliminar