O POEMA
O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA (1965), A Estrada Branca (2005)
Perfeito.
ResponderEliminarPara já não sou leitor do JTM. Tenho dias...mas gostei deste trabalho. O incipit fez-me evocar muito Herberto que já li por aí na mesma onda e que o autor conhece certamente. ."uma profissão de incrudelidade":isto é Helder. Sendo que parafraseando Gastão HH nada tem a ver com o real deste mundo como nós julgamos conhecer e de onde nunca saimos...para continuar Gastão.
ResponderEliminarNão sei se a frase citada «é Helder», mas de que o Tolentino o conhece bem, tenho a certeza. Transcrevo de "Os Dias Contados" (1990), o seguinte poema:
ResponderEliminarA INFÂNCIA DE HERBERTO HELDER
No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas
Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos
Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva
Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito
Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio
Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus pelos baldios
Isso foi antes
de aprender a álgebra
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Em meia dúzia de linhas, um tratado sobre a poesia. E que bem escrito!
ResponderEliminarE depois vem o doutor MJMN com mais umas coisinhas para complemento...
Quando se sente, o poema sai. Em todos os outros casos, amassa-se, fermenta-se e expele-se (há uma expressão popular - omito - que define o caso).
ResponderEliminarBem quereria que os poucos que rabisquei pertencessem todos ao primeiro grupo.