28 de dezembro de 2023

TEM DIAS XXIV

 

AVÉ AVA

Cântico para Ava Gardner


és ava com cheiro a erva

com corpo de garça 

e memória de eva


és ava com suor maduro

enxameando um olhar convexo

és eva vestida de sexo


és ava e estátua grega

animal acossado nas plateias

és eva brincando à cabra-cega


és ava com partículas de fogo

água soberba na enchente dos rios

incêndio de carne no calor dos estios


és ava ou ave ou sequer

uma santa de porcelana branca

disfarçada com pele de mulher


és ava e podias ser um objecto

um símbolo uma lembrança o ritual

da paixão vestindo o desejo de afecto


és ava eva com os ombros nús

olhos apelando à saliva quente

no silêncio escuro dos cinemas


és ave eva ava de pele macia

a noite mansa despida sob o lençol

esperando que jamais se faça dia



JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES, tem o poder da água, Editorial Éter, Lisboa, 1996.




5 comentários:

  1. Poema originário de "Os Pássaros Breves " da Átrio, Lisboa 1995 e agora coligido em "Tem o Poder da Água", obra poética (1973-1995) . Nasceu no Funchal em 1954 foi jornalista e poeta, presidente da Associação de Escritores da Madeira e membro da Direcção da Associação Portuguesa de Escritores.
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  2. Teve a virtude de me ter furado o arquivo de memórias para expor a defunta paixão babada por Gigliola Cinquetti e a doçura imorredoira de Non Ho L' Eta; no meu caso, mais platónica.

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