SECRETÁRIO DA ALMA
A memória é o túmulo dos meus versos.
Haverá sempre mausoléus
Para a língua
Enquanto a boca invocar a palavra
húmida de sangue,
Cálida de tempo, de breves alegrias e
de humores
Onde a voz possa correr, livre,
Sem ser apunhalada pela industriosa
mão,
Vazia, maquinal, da morte.
Todos temos corpos que os séculos
hão-de consumir,
Mas a fala produz o pensamento,
A mão desenha a letra, o poema
enaltece,
No leito sensual feito de frases
Adormece a beleza.
E a inocente, esquiva música das
sílabas,
Enlouquecida,
Desperta.
Secretário da alma, o coração
Não descansa na laje da morada em que
sossega.
Estremece nos seus sonhos,
E volve em seu redor o olhar
desmesurado:
É dia de além sol, além lua, além
distância,
Rasgadas as palavras de abandono
E Luta. Mas a Terra é a escrita,
E o livro o Universo.
ARMANDO SILVA CARVALHO (1938-2017), Anthero Areia & Água (2010)
Esplêndido.
ResponderEliminarPoema metalinguístico bem conseguido na concepção cósmica da própria literatura. Concordas?
ResponderEliminarSim, metalinguístico e metaliterário. Mas note-se que o sujeito lírico incorpora a voz de Antero. Este livro de ASC é constituído por 50 poemas todos em torno da figura humana e intelectual de Antero de Quental. O poeta das "Odes Modernas" está por toda a parte. Evocações de Coimbra, de Paris, de Vila do Conde (os anos mais felizes da vida, dizia), e também da Ilha onde, sentado num banco de jardim, disparou dois tiros contra si. Presentes personalidades que de uma forma ou outra o tocaram: João de Deus, Queiroz, Michelet, Bulhão Pato, Castilho, o Ávila que proibiu as Conferências do Casino, Teófilo, Oliveira Martins, Taine, Proudhon... e devo ter deixado passar mais algumas...
ResponderEliminarObrigado.
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