21 de dezembro de 2023

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL. XVI

 

CAMINHO


Tenho sonhos cruéis n'alma doente

Sinto um vago receio prematuro.

Vou a medo na aresta do futuro,

Embebido em saudades do presente...


Saudades desta dor que em vão procuro

Do peito afugentar bem rudemente,

Devendo ao desmaiar sobre o poente,

Cobrir-me coração dum véu escuro!...


Porque a dor, esta falta de harmonia,

Toda a luz desgrenhada que alumia

As almas doidamente, o céu de agora,


Sem ela o coração é quase nada:

- Um sol onde expirasse a madrugada,

Porque é só madrugada quando chora.


CAMILO PESSANHA, Clépsidra

4 comentários:

  1. Uma música que era só dele; e não admira nada que o Pessoa tanto o admirasse.

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    1. Estava a reler: um certo Pessoa, um certo Sá-Carneiro, uma certa Florbela concentrados que dá este poema magnífico. Mas Pessanha a montante, não a jusante.

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    2. Sem dúvida.
      Um poema que, em cada releitura, mais se desdobra...
      A angústia ontológica, que vem do fundo da alma. Um mundo tão belo... e depois?

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  2. Claro Pessanha tem sempre encantos e descobertas na sua musical e plástica névoa ...do ser. Mas, o Fernando disse tudo "angústia ontolôgica".

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