29 de dezembro de 2023

21 POEMAS DO SÉCULO 21 - XIX

 

Dei-te o meu corpo como quem estende

um mapa antes da viagem, para que nele

descobrisses ilhas e paraísos e aí pousasses

os dedos devagar, como fazem as aves

quando encontram o verão. Se me tivesses

tocado, ter-me-ia desmanchado nos teus braços

como uma escarpa pronta a desabar, ou

uma cidade do litoral a definhar nas ondas..

Mas, afinal, foste tu que desenhaste mapas

nas minhas mãos – tristes geografias,

labirintos de razões improváveis, tão curtas

linhas que a minha vida não teve tempo

senão para pressentir-se. Por isso, guardo

dos teus gestos apenas conjecturas, sombras,

muros e regressos – nem sequer feridas

ou ruínas. E, ainda assim, sem eu saber porquê,

as ondas ameaçam o lago dos meus olhos.

 

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA (1959), O Canto do Vento nos Ciprestes (2001)



4 comentários:

  1. Acabado de lançar ao éter o XVIII poema da minha selecção, deparo com o XIX dos 21 de M.J.M.Nunes. Magnífico, como praticamente todos os que o antecederam.

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  2. Lembro-me da frescura de quando apareceu. Acho que envelheceu.

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