1 de dezembro de 2023

21 POEMAS DO SÉCULO 21 - I

  

UM CORPO

 

Reconheço o teu corpo estendido nos meus anos.

Recolho mais um dia esse campo da idade

em que te vejo chegar

e o fogo do desejo forma um halo espesso

vibrando à tua volta.

 

E é como se nada se perdesse

entre ti e mim.

Trago os teus lábios molhados como uma flor

nos ouvidos.

E tudo o que tu vestes estremece

agora nos meus olhos.

Foi ontem e muito antes de ontem

será sempre,

esse poder sem fala,

o ferro amaciado nas minhas mãos carnívoras.

 

Chegas sempre que eu quero

com esse fulgor do tempo que nunca apaga o riso

nos teus dentes,

a morte nas tuas pernas,

esse motor do sexo tão amável, o sabor fluvial

que corre ainda da boca.

 

ARMANDO SILVA CARVALHO (1938-2017), A Sombra do Mar (2015)


5 comentários:

  1. Excelente poema. Que deixa pistas reconhecíveis nalguma poesia que fazemos. Alguns vocábulos como por exemplo "motor", "fulgor" , "rente" que aqui não está reune inúmeras poéticas. A evocação do corpo, da sensualidade e do desejo é tb recorrente.

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    1. «esse motor do sexo tão amável», também no declínio da vida, como é o caso.

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  2. E viva o regresso!
    Intensíssimo poema de poderoso erotismo, qualquer ele seja. Se não disse ainda que o ASC é um dos meus poetas preferidos, digo-o agora.

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    1. "A sombra do mar", cinquenta e tal poemas sobre «fasto e nefasto», título de um deles. E também há sobre Jazz: guardar para a próxima antologia... Poema de abertura, primeira estrofe: «Ó pálida manhã, despe mais um dia das áscuas do sono / e vagarosamente vai procurar o pão, / colher a vaga rosa, / junto à calamidade do mar / que ainda ressona.»

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    2. Não o tenho, mas será para colmatar.

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