UM CORPO
Reconheço o teu corpo estendido nos
meus anos.
Recolho mais um dia esse campo da
idade
em que te vejo chegar
e o fogo do desejo forma um halo
espesso
vibrando à tua volta.
E é como se nada se perdesse
entre ti e mim.
Trago os teus lábios molhados como
uma flor
nos ouvidos.
E tudo o que tu vestes estremece
agora nos meus olhos.
Foi ontem e muito antes de ontem
será sempre,
esse poder sem fala,
o ferro amaciado nas minhas mãos
carnívoras.
Chegas sempre que eu quero
com esse fulgor do tempo que nunca
apaga o riso
nos teus dentes,
a morte nas tuas pernas,
esse motor do sexo tão amável, o
sabor fluvial
que corre ainda da boca.
ARMANDO SILVA CARVALHO (1938-2017), A Sombra do Mar (2015)
Excelente poema. Que deixa pistas reconhecíveis nalguma poesia que fazemos. Alguns vocábulos como por exemplo "motor", "fulgor" , "rente" que aqui não está reune inúmeras poéticas. A evocação do corpo, da sensualidade e do desejo é tb recorrente.
ResponderEliminar«esse motor do sexo tão amável», também no declínio da vida, como é o caso.
EliminarE viva o regresso!
ResponderEliminarIntensíssimo poema de poderoso erotismo, qualquer ele seja. Se não disse ainda que o ASC é um dos meus poetas preferidos, digo-o agora.
"A sombra do mar", cinquenta e tal poemas sobre «fasto e nefasto», título de um deles. E também há sobre Jazz: guardar para a próxima antologia... Poema de abertura, primeira estrofe: «Ó pálida manhã, despe mais um dia das áscuas do sono / e vagarosamente vai procurar o pão, / colher a vaga rosa, / junto à calamidade do mar / que ainda ressona.»
EliminarNão o tenho, mas será para colmatar.
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