1 de dezembro de 2023

101 poemas portugueses - #11


BOAS NOITES


Estava uma lavadeira
A lavar numa ribeira
Quando chega um caçador:

-- Boas tardes, lavadeira!

-- Boas tardes, caçador!

-- Sumiu-se-me a perdigueira
Ali naquela ladeira;
Não me fazeis o favor
De me dizer se a brejeira
Passou aqui a ribeira?

-- Olhai que, dessa maneira,
Até um dia, senhor,
Perdereis a caladeira,
Que ainda é perda maior.

-- Que me importa, lavadeira!
Aqui na minha algibeira
Trago dobrado valor...
Assim eu fora senhor
De levar a vida inteira
Só a ver o meu amor
Lavar roupa na ribeira!

-- Talvez que fosse melhor...
Ver coser a costureira!
Vir de ladeira em ladeira
Apanhar esta canseira,
E tudo só por amor
De ver uma lavadeira
Lavar roupa na ribeira...
É escusado, senhor!

-- Boas noites,... lavadeira!

-- Boas noites, caçador!...


João de Deus (São Bartolomeu de Messines, 1830 - Lisboa, 1896),
Campo de Flores (1893)

3 comentários:

  1. Que contraste entre este fluir e os dois (ou um e qualquer coisa) anteriores!

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    1. Este é um formosíssimo poema faceto, que nesta minha antologia dialoga com o do Gil Vicente e com o 101º, a revelar na altura própria.

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