EN 15
Encosto à berma da estrada nacional
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para tirar a bexiga do aperto
em que se achava.
Faço pontaria a uma esteva
cativa de moita empoeirada,
na caruma um delta depois
uma enseada.
Miro de soslaio as aldeias agarradas,
quais carraças,
ao dorso insone dos montes
e verto, sob um pinheiro, as toxinas
do passado.
Longos uivos à lua destinaria, feito
lobo,
em pleno traço contínuo,
ou nele faria tosco sapateado,
não me chegasse já o ruído
de outro carro fugitivo,
o clarão dos seus faróis que recortam,
no alcatrão,
o meu perfil acrescido.
Mais avisado será bater em retirada:
às quatro da madrugada
só pode ser o futuro, esse gatuno,
e assim a sacudo
mal sacudida
– assim te sacudo como quem
sacode a vida.
RUI LAGE (1975), Estrada Nacional (2016)
Cá está um belo poema! Excelente!
ResponderEliminarIsto sim... Também o tenho -- o poeta e não o poema --, e fecha a minha antologia. Este poema poderia (deveria?) ter sido o escolhido, mas não foi.
EliminarEstava a reler e notei um tom melancólico e angustioso muito beliano, passe a horrível expressão...
E fez-me lembrar semelhante, mas talvez ainda mais ponderoso aperto, por que passei, há muitos anos, em terras da Galiza, quando, noite cerrada, tive que deter o 2CV num ermo, devido aos efeitos de umas gambas avariadas... A meio dos trabalhos, vi aproximar-se na minha direcção a passos estugados uma humana sombra, que tomei como iminente ameaça... Oh rapazes, aquilo foi subir as calças, num ápice e... meu rico 2CV, que nunca me tinha sido tão útil!
EliminarCaramba! Esse 2CV não será o mesmo que um tal Feliciano Feijó (frequentador da Rua da Amargura) deixava na garagem - a descansar, coitado - quando se deslocava a pé para o exercício de funções na Casa da Justiça? Na Galiza, ao contrário, não poupou o animal mecânico... O aperto era outro, compreende-se.
EliminarEsse mesmo, Manuel! Frugal no sustento, bastava um cheirinho de esporas para o pôr a trote...
EliminarMerecia, por isso, umas folgas jeitosas lá em Vilar...:)
Não comento diretamente porque esta série de intervenções ainda está mais engraçada que o poema: complementa-o.
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