21 de dezembro de 2023

21 POEMAS DO SÉCULO 21 - XIII

 


EN 15

 

Encosto à berma da estrada nacional 15

para tirar a bexiga do aperto

em que se achava.

Faço pontaria a uma esteva

cativa de moita empoeirada,

na caruma um delta depois

uma enseada.

Miro de soslaio as aldeias agarradas,

quais carraças,

ao dorso insone dos montes

e verto, sob um pinheiro, as toxinas do passado.

 

Longos uivos à lua destinaria, feito lobo,

em pleno traço contínuo,

ou nele faria tosco sapateado,

não me chegasse já o ruído

de outro carro fugitivo,

o clarão dos seus faróis que recortam, no alcatrão,

o meu perfil acrescido.

 

Mais avisado será bater em retirada:

às quatro da madrugada

só pode ser o futuro, esse gatuno,

e assim a sacudo

mal sacudida

– assim te sacudo como quem

sacode a vida.

 

RUI LAGE (1975), Estrada Nacional (2016)



6 comentários:

  1. Respostas
    1. Isto sim... Também o tenho -- o poeta e não o poema --, e fecha a minha antologia. Este poema poderia (deveria?) ter sido o escolhido, mas não foi.
      Estava a reler e notei um tom melancólico e angustioso muito beliano, passe a horrível expressão...

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    2. E fez-me lembrar semelhante, mas talvez ainda mais ponderoso aperto, por que passei, há muitos anos, em terras da Galiza, quando, noite cerrada, tive que deter o 2CV num ermo, devido aos efeitos de umas gambas avariadas... A meio dos trabalhos, vi aproximar-se na minha direcção a passos estugados uma humana sombra, que tomei como iminente ameaça... Oh rapazes, aquilo foi subir as calças, num ápice e... meu rico 2CV, que nunca me tinha sido tão útil!

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    3. Caramba! Esse 2CV não será o mesmo que um tal Feliciano Feijó (frequentador da Rua da Amargura) deixava na garagem - a descansar, coitado - quando se deslocava a pé para o exercício de funções na Casa da Justiça? Na Galiza, ao contrário, não poupou o animal mecânico... O aperto era outro, compreende-se.

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    4. Esse mesmo, Manuel! Frugal no sustento, bastava um cheirinho de esporas para o pôr a trote...
      Merecia, por isso, umas folgas jeitosas lá em Vilar...:)

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    5. Não comento diretamente porque esta série de intervenções ainda está mais engraçada que o poema: complementa-o.

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