5 de abril de 2020

AINDA AS "100 CARTAS"


Encerrando, pela minha banda, o tema das “100 Cartas”, refiro-me às de Jorge Amado (p. 48) e Alves Redol (p. 146).
Como vem sendo hábito, faço a partir de ambas algumas considerações de ordem particular e pessoal.

= 1ª, de JORGE AMADO, datada de 10 de Setembro de 1934.
A carta é escrita do Rio de Janeiro para onde o escritor se havia mudado em 1930, ingressando no ano seguinte na Faculdade de Direito. Parte importante é sobre o romance em preparação Jubiabá, a história de António Balduíno, menino pobre da cidade de Salvador que foi crescendo e ganhando consciência da sua condição de explorado. Pai Jubiabá, cujo nome dá título ao romance, é muito mais que um macumbeiro ou pai-de-santo, é a personagem que representa, também pela língua, a ancestral cultura ioruba dos escravizados. Pai Jubiabá não percebia nada de greve, diz Balduíno, mas conhecia a história e o sofrimento do povo escravo de África.
Este livro estava agendado para a sessão de Março da Comunidade de Leitores de São Domingos de Rana. A discussão foi sendo feita no blogue, tal como aqui, e no dia próprio – 27 de Março – teve lugar uma discussão virtual na página da Comunidade no facebook. Esta discussão recebeu 69 comentários e teve 39 visualizações.
= 2ª, de ALVES REDOL, datada de Agosto de 1950.
É uma carta em torno do romance  A Curva da Estrada, romance que tem tanto de psicológico como de mensagem ética e política. De acordo com o texto do Pórtico, Redol reconhece nele os gérmenes duma grande peça de teatro, e como que incita o escritor a realizar essa transposição: «Está ali uma grande peça de teatro, sem dúvida também. Nada lhe falta para conquistar o tablado; mas pelo seu prefácio parece deduzir-se que não está tentado a fazê-lo. Que galeria de tipos e de caracteres!»
De Alves Redol, Fanga foi o primeiro livro que li, ainda na adolescência, pois o meu pai – operário da Ford Lusitana – tinha uma tosca estante em que se aglomeravam livros como este, alguns de Júlio Verne e Júlio Dinis, mais uns tantos como A Rosa do Adro e outros comprados em fascículos depois agregados em encadernações baratas, como A Toutinegra do Moinho. Este, em vários volumes, é referido por Saramago n´As Pequenas Memórias. Era uma literatura ingénua de consumo tipicamente popular. Mais tarde reli A Fanga com outros olhos e também Gaibéus, Avieiros e Barranco de Cegos, a obra-prima do escritor de Vila Franca.
Nota: as imagens reproduzidas correspondem aos livros em meu poder - a edição de Jubiabá, livro usado, que recentemente me chegou às mãos; e o Fanga velhinho da estante do meu pai. 

9 comentários:

  1. Saboroso cálice de licor, Manuel! Obrigado!

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  2. Obrigado, caros amigos, pelo acolhimento do escrito. E agora vamos ao Ruben A., embora não disponha ainda do livro. Mas tenho cá em casa o primeiro volume de O MUNDO À MINHA PROCURA e a biografia do autor feita pelos sintrenses Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz. Já é qualquer coisa... :)

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  3. A propósito de Rúben A., desconfio que poucos dispõem do livro e terão possibilidade de o adquirir a tempo. É o meu caso.
    Não seria, assim, preferível escolher outro, que a grande maioria tenha em casa, tipo, A Queda de um Anjo ou O Primo Basilio ou Viagens na Minha Terra ou um da Agustina, ou avançar com um mais lá da frente que a maioria tenha.
    À consideração do nosso mentir Ricardo.

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    1. Caro, Fernando, gostei bastante de ser o vosso 'mentir'...)

      Sobre o problema que põe, direi por mail.

      Abraço

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    2. Quando um mentiroso, por falta de talento, não aguenta a fábula e 'descai', costuma dizer-se que lhe foge a língua para a verdade.
      Asseguro que não foi o caso 😅

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  4. Apenas uma achega, a propósito da carta do Jorge Amado, reveladora da importância que Ferreira de Castro, com «Emigrantes» e especialmente «A Selva», teve para essa geração do romance nordestino, nomeadamente Jorge Amado e José Lins do Rego -- como, de resto, já fora assinalado por Álvaro Salema no livro que dedica ao escritor de «Gabriela, Cravo e Canela». Aliás, por alguma razão, castro é o português com maior número de referências em «Navegação de Cabotagem», o livro de memórias.

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    1. Ah, e «Fanga», livro magnífico, foi também o primeiro que li do Redol...

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