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28 de março de 2024

"FORMULAÇÕES POÉTICAS", apócrifo da série em curso neste blogue


«(…) toda a poesia consiste fundamentalmente no desgosto que o homem tem sempre pelo que ainda é e nos seus braços estendidos para o que quer ser; consiste fundamentalmente na tal reconstrução sobre si próprio, no seu desejo eterno de ser mais, que é como quem diz: melhor.»

– Dissertação de licenciatura de MÁRIO DIONÍSIO, “Introdução à leitura da ‘Ode Marítima’", apresentada em 1938 à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 

O candidato foi reprovado no exame.  


18 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (42)

 

LISBON REVISITED

(1923)

 

Não: não quero nada.

Já disse que não quero nada.

 

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

 

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

 

Que mal fiz eu aos deuses todos?

 

Se têm a verdade, guardem-na!

 

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

 

Não me macem, por amor de Deus!

 

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

 

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho,

Já disse que sou só sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

 

Ó céu azul – o mesmo da minha infância –,

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

 

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

 

ÁLVARO DE CAMPOS


12 de outubro de 2015

A CASA BRANCA NAU PRETA ...

Álvaro de Campos imaginado por Almada Negreiros (do painel de azulejos na entrada da Faculdade de Letras de Lisboa)
 
Poema lido na sessão de Felicidade na Austrália, de Liberto Cruz. O título do livro foi extraído do último verso do poema. Ver aqui:


2 de outubro de 2015

Liberto Cruz, FELICIDADE NA AUSTRÁLIA

Um livro de contos transbordante de humor, por vezes felliniano, mas também com uma idiossincrasia muito portuguesa. À memória chegaram-me passagens de O que Diz Molero, de Dinis Machado, e a «Trilogia dos Cafés», de Álvaro Guerra.
Liberto Cruz, mais conhecido como ensaísta e investigador literário (Júlio Dinis, Ruben A., Blaise Cendrars) e poeta, traz para a literatura portuguesa uma nova região literária: não a Austrália -- o título é retirado dum verso do Pessoa/Álvaro de Campos, citado em epígrafe --, não o país dos cangurus, mas o «Estado Independente de Penaferrim», ele próprio um microcosmos do Portugal do tempo do Estado Novo. Liberto Cruz, nascido há oitenta anos na conhecida freguesia sintrense de São Pedro de Penaferrim, ficciona as suas memórias do lugar com um distanciamento nada nostálgico -- ou, se alguma nostalgia puder vislumbrar-se, estará filtrada pelo estranhamento do tempo e da distância, a distância de quem tem mais mundos, outros mundos.

2 de dezembro de 2011

O Esteves sem Metafisica

...
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
...
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
A Tabacaria, Álvaro de Campos, 15-1-1928