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19 de novembro de 2023

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL. VIII

 

CANTIGA


Descalça vai para a fonte

Leonor pela verdura

Vai formos, e não segura.


A talha leva pedrada,

Pucarinho de feição,

Saia de cor de limão,

Beatilha soqueixada;

Cantando de madrugada

Pisa flores na verdura:

Vai formosa, e não segura.


Leva na mão a rodilha

Feita da sua toalha,

Com uma sustenta a talha,

Ergue com outra a fraldilha;

Mostra os pés por maravilha,

Que a neve deixam escura:

Vai formosa, e não segura.


As flores por onde passa,

Se o pé lhe acerta de pôr,

Ficam de inveja sem cor

E de vergonha com graça:

Qualquer pegada que faça

Faz flore3scer a verdura:

Vai formosa, e não segura.


Não na ver o Sol lhe val

Por não ter novo inimigo,

Mas ela corre perigo

Se na fonte se vê tal;

Descuidada deste mal

Se vai ver na fonte pura:

Vai formosa, e não segura.


F. RODRIGUES LOBO


12 de maio de 2020

CORTE NA ALDEIA

Eu sei: um livro é um livro e, nada melhor que juntar à leitura, o toque, o revirar, o espreitar capas e badanas, o descobrir referências antes do texto, o cheiro, o aspeto de velho ou jovem...
E quando já não há?! Abdico de ler, ou aplico o rifão "do mal o menos"?
Prefiro a muleta à imobilização.
É por isso que, se quer matar o apetite que o confrade Manuel Nunes nos abriu sobre a Corte na Aldeia, e já não encontra a escrita do Francisco Rodrigues Lobo, impressa no papel, lhe deixo o seguinte caminho;

https://bibliotronicaportuguesa.pt/livronicos-na-internet/
Depois é só buscar o autor, por ordem alfabética, e ele lá estará para lhe oferecer:
Divirta-se.
J. A. Marcos Serra

5 de maio de 2020

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

Elogio da língua portuguesa

Francisco Rodrigues Lobo, Corte na aldeia. Lisboa: Edições Vercial, 2010

DIÁLOGO I


E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por
grosseira, nem por bons os argumentos com que alguns
querem provar que é essa; antes é branda para deleitar,
grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para
pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias
mais importantes da prática e escritura. Para falar é
engraçada com um todo senhoril, para cantar é suave com
um certo sentimento que favorece a música; para pregar é
substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e
as sentenças; para cartas nem tem infinita cópia que dane,
nem brevidade estéril que a limite; para histórias nem é tão
florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor
das alheias. A pronunciação não obriga a ferir o céu da
boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com
veemência do gargalo. Escreve-se da maneira que se lê, e
assim se fala. Tem de todas as línguas o melhor: a
pronunciação da Latina, a origem da Grega, a familiaridade
da Castelhana, a brandura da Francesa, a elegância da
Italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as
vulgares, em fé de sua antiguidade. E se à língua Hebreia,
pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa. E, para que diga tudo, só um mal tem: e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte.

Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia (1619)

7 de fevereiro de 2014

CANTIGA, Francisco Rodrigues Lobo

Antes que o Sol se levante
Vai Vilante a ver o gado,
Mas não vê Sol levantado
Que vê primeiro a Vilante.

VOLTAS

É tanta a graça que tem
Com uma touca mal envolta,
Manga de camisa solta,
Faixa pregada ao desdém,
Que se o Sol a vir diante
Quando vai mungir o gado
Ficará como enleado
Ante os olhos de Vilante.

Descalça às vezes se atreve
Ir em mangas de camisa,
Se entre as ervas neve pisa
Não se julga qual é neve;
Duvida o que está diante
Quando a vê mungir o gado,
Se é tudo leite amassado,
Se tudo as mãos de Vilante.

Se acaso o braço levanta
Porque a beatilha encolhe,
De qualquer pastor que a olhe
Leva a alma na garganta;
E inda que o Sol se alevante
A dar graça e luz ao prado,
Já Vilante lha tem dado,
Que o Sol tomou de Vilante.


José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler, Lisboa, Campanha Nacional de Educação de Adultos, 1956, pp. 25-27.

(lido na sessão de 3 de Janeiro de 2014)