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14 de abril de 2024

101 poemas portugueses - #34


Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite,
Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas
E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada.
Navios que se afastam ponteados de luz na treva,
Cada um indeciso diminuindo para cada lado do negro
Tudo mais é a noite calada e o frio que sobe do mar.

Fernando Pessoa (Lisboa, 1888-1935),
Álvaro de Campos -- Livro de Versos
(edição de Teresa Rita Lopes)

17 de janeiro de 2024

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL. XXII

 

SONETO JÁ ANTIGO


Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás-de

Dizer aos meus amigos aí de Londres,

Embora não o sintas, que tu escondes

A grande dor da minha morte. Irás de


Londres p'ra York, onde nasceste (dizes...

Que eu nada que tu digas acredito),

Contar àquele pobre rapazito

Que me deu tantas horas tão felizes,


Embora não o saibas, que morri...

Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,

Nada se importará... Depois vai dar


A notícia a essa estranha Cecily

Que acreditava que eu seria grande...

Raios partam a vida e quem lá ande!...


ÁLVARO DE CAMPOS

28 de novembro de 2023

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL. XI

 

Ó sino da minha aldeia,

Dolente na tarde calma,

Cada badalada tua

Soa dentro da minha alma.


E e tão lento o teu soar,

Tão como triste da vida,

Que já a primeira pancada

Tem o som de repetida.


Por mais que me tanjas perto

Quando passo, sempre errante,

És para mim como um sonho,

Soas-me na alma distante.


A cada pancada tua,

Vibrante no céu aberto,

Sinto mais longe o passado,

Sinto a saudade mais perto.


FERNANDO PESSOA

24 de outubro de 2023

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL - I

 O MENINO DE SUA MÃE


No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado

- Duas, de lado a lado -,

Jaz morto, e arrefece.


Raia-lhe a farda o sangue.

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos.


Tão jovem! Que jovem era!

(Agora que idade tem?)

Filho único, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

«O menino da sua mãe.»


Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve.

Dera-lha a mãe. Estava inteira

E boa a cigarreira.

Ele é que já não serve.


De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo, 

A brancura embainhada

De um lenço... Deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.


Lá longe, em casa, há a prece:

«Que volte cedo, e bem!»

(Malhas que o Império tece!)

Jaz morto, e apodrece,

O menino da sua mãe.


Fernando Pessoa


(F. Faria)

9 de outubro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (5)

 

Ela canta, pobre ceifeira,

Julgando-se feliz, talvez;

Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia

De alegre e anónima viuvez,

 

Ondula como um canto de ave

No ar limpo como um limiar,

E há curvas no enredo suave

Do som que ela tem a cantar.

 

Ouvi-la alegra e entristece,

Na sua voz há o campo e a lida,

E canta como se tivesse

Mais razões p´ra cantar que a vida.

 

Ah, canta, canta sem razão!

O que em mim sente ´stá pensando.

Derrama no meu coração

A tua incerta voz ondeando!

 

Ah, poder ser tu, sendo eu!

Ter a tua alegre inconsciência,

E a consciência disso! Ó céu!

Ó campo! Ó canção! A ciência

 

Pesa tanto e a vida é tão breve!

Entrai por mim dentro! Tornai

Minha alma a vossa sombra leve!

Depois, levando-me, passai!

 

FERNANDO PESSOA, Atena, nº 3, Dezembro de 1924

21 de agosto de 2023

PESSOA E MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

Ando a ler, com muito agrado, esta monumental obra. A dado passo (página 396), deparei com este curioso cotejo entre as personalidades de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, que ajuda a compreender o percurso de vida escolhido por cada um dos amigos:




 "Sá-Carneiro escrevia com regularidade, sentava-se longamente nos cafés e deambulava pelos Jardins do Luxemburgo, mas a sua excitação por estar em Paris passou em breve a alternar com estados de torturada ansiedade por causa de aparentemente nada, a não ser pelo facto de que a beleza é fugidia e a vida imperfeita. Atrozmente consciente de tudo aquilo que faltava no mundo, que ele amava, e nele próprio, que ele adorava, era um infeliz sibarita e um narcisista falhado. Pessoa dava livre curso às suas próprias e ainda mais abstractas ansiedades, estando sobretudo preocupado com o porquê deste mundo e o lugar que nele ocupava, e imaginava outros mundos, outros eus."


F. Faria

7 de fevereiro de 2022

POEMA ou CANÇÃO... eis a questão

 
De vez em quando, somos surpreendidos pela excelência de um trabalho dedicado, que se revela útil, apelativo, agradável. Mesmo quem não morresse de amores pela poesia acabaria cativado.

Quer experimentar? Então deixe-se prender por esta coletânea organizada pela equipa responsável pela Biblioteca Escolar da Secundária de Amares (até o nome parece fadado...). Basta um clique na imagem, escolher um dos três grupos de poemas e ouça, ouça.

Que tal?

13 de junho de 2020

16 de abril de 2020

EPHEMERIDES

16 DE ABRIL DE 1889 (131 ANOS)

ALBERTO CAEIRO






Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.

2 de outubro de 2015

Liberto Cruz, FELICIDADE NA AUSTRÁLIA

Um livro de contos transbordante de humor, por vezes felliniano, mas também com uma idiossincrasia muito portuguesa. À memória chegaram-me passagens de O que Diz Molero, de Dinis Machado, e a «Trilogia dos Cafés», de Álvaro Guerra.
Liberto Cruz, mais conhecido como ensaísta e investigador literário (Júlio Dinis, Ruben A., Blaise Cendrars) e poeta, traz para a literatura portuguesa uma nova região literária: não a Austrália -- o título é retirado dum verso do Pessoa/Álvaro de Campos, citado em epígrafe --, não o país dos cangurus, mas o «Estado Independente de Penaferrim», ele próprio um microcosmos do Portugal do tempo do Estado Novo. Liberto Cruz, nascido há oitenta anos na conhecida freguesia sintrense de São Pedro de Penaferrim, ficciona as suas memórias do lugar com um distanciamento nada nostálgico -- ou, se alguma nostalgia puder vislumbrar-se, estará filtrada pelo estranhamento do tempo e da distância, a distância de quem tem mais mundos, outros mundos.

13 de junho de 2015

A propósito de uma efeméride... (13 de Junho de 1888)



Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

É tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto maias longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.



19 de junho de 2014

LEITURAS DAS QUARTAS


A CAMA, SE AO MENOS MUDASSE A CAMA

Excertos do conto filosófico “Maridos”, de Fernando Pessoa:

«Não há mulher nenhuma neste mundo – nem a mais séria, senhor juiz – que não tenha invejado essas que lá andam nas ruas à procura  dos homens – nenhuma, senhor juiz (…)
Isto, senhor juiz, e para que Vossa Excelência saiba, e os senhores jurados, é o que todas as mulheres sentem.
(…) E vem uma vontade de meter a costura pela pia abaixo, e de ir para longe ao menos só para chorar à vontade.
(…) Sempre o mesmo homem, senhor juiz – o mesmo homem todos os dias, com o mesmo corpo e a mesma maneira! Todas as noites, senhor juiz, e na mesma cama – nem a cama muda ao menos. E aquilo ao fim de tempo já não era viver, nem coisa que se parecesse – era uma coisa entre comer para não ter fome e fazer o serviço da casa… Se os homens soubessem o que custa a aturar! Se soubessem o nojo que a gente tem por eles quando está encostada a eles!
E eu, senhor juiz, não tinha outro remédio senão matá-lo para estar bem com a minha consciência e com a Igreja.
Foi por isto, senhor juiz e senhores jurados que matei o meu marido.»

10 de novembro de 2013

CULTURA ITALIANA: PIRANDELLO E OS CONFLITOS DO EU





                                           CULTURA ITALIANA: PIRANDELLO E OS CONFLITOS DO EU 


O Clube de Leitura de Sintra debateu em de Maio a obra e a representação literária de Pirandello (1867-1936). As linhas de força deste verista são: a solidão, o absurdo da existência, o mistério da personalidade. Lembrei nesta ocasião a proximidade ‘familiar’ desta poética a três outras: Giacomo Leopardi (1798-1837), Antero e Pessoa. Os conflitos do Eu e da Existência têm caracter dominante e percursos únicos e vários nas Obras destes escritores.

A profundidade destas interrogações seja num discurso pessoal seja num percurso ontológico vai diferenciar as três poéticas embora com referentes simbólicos comuns: a Dor física e a sua libertação pela morte como a propõe Leopardi ou o Antero no Ciclo do Elogio da Morte.; por outro lado a solidão, as máscaras, a multiplicação do Eu, a despersonalização, os percursos do Não-Ser até ao Ser único e absoluto, aproximam-nos de Pessoa e do próprio Pirandello.

Dá-se o caso de eu amar a cultura italiana. Dá-se a circunstância de eu ter participado no evento: ‘ E naufragar me é doce neste mar: Leopardi na Madeira’ que assinalou o bicentenário do nascimento deste importantíssimo poeta italiano. Nessa ocasião, isto é, em 1999, depois da leitura dos Canti escrevi para Pádua e disse que o nosso Camões possui terríveis afinidades com o poeta de Recanati. Disse: ‘de facto, o nosso épico, que muito bebe nos académicos de Florença, reflete na Canção IX, da minha especial predileção, e nos sonetos, problemáticas semelhantes ao caso do poeta italiano’.

Observei a feliz coincidência das relações de cultura entre os dois povos. Subtis mas perenes, impercetíveis mas resistentes e plásticas como as qualidades das suas respetivas línguas. Fossem essas relações diplomáticas ou comerciais de antiquíssimo registo desde a remota Génova e da poderosa Veneza de Quinhentos; fossem literárias ou artísticas com a deslocação de pintores e suas escolas, de arquitetos e de escultores; fossem musicais e até científicas: a organização dos nossos gabinetes de História Natural, o recorte dos nossos jardins botânicos desde o renascentista ao barroco.

São lentos mas de sábia lentidão os processos criativos na teia que reúne os povos. Contudo, o universo das palavras, o ser das palavras domina as poéticas neste fascínio em busca do cerne da poesia; incessante desvendar do outro para a compreensão de nós-mesmos. Agora, na busca da essencialidade também num refazer de linguagens plásticas que ultrapassam a própria razão e vai mais longe que Descartes: para existirmos não basta nos pensarmos. Parafraseando a essencialidade de Clarice Lispector direi que existimos quando nos vemos ao espelho. Se nos movemos  na busca do outro, deslocando os eixos culturais do mundo, atualizando Quinhentos, é por que já desanuviamos a nossa aura. E nos confirmamos como europeus.                                 

13 de junho de 2012

16 de abril de 2012

Caeiro

Alberto Caeiro terá nascido em Lisboa, a 16 de Abril de 1889.
imagem: Caeiro visto por Almada Negreiros

8 de fevereiro de 2012

Ela canta, pobre ceifeira, Fernando Pessoa

Ela canta, pobre ceifeira
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,

Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
Ah! canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.

Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!

Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa, Cancioneiro
 
(Poema não lido na sessão de 03 de Fevereiro.)

22 de janeiro de 2012

uma epígrafe de Fernando Pessoa

Cumpriu-se o mar e o império se desfez.
Senhor, Falta cumprir-se Portugal.

Mensagem


n'O Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço.

2 de dezembro de 2011

O Esteves sem Metafisica

...
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
...
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
A Tabacaria, Álvaro de Campos, 15-1-1928