17 de janeiro de 2024

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL. XXII

 

SONETO JÁ ANTIGO


Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás-de

Dizer aos meus amigos aí de Londres,

Embora não o sintas, que tu escondes

A grande dor da minha morte. Irás de


Londres p'ra York, onde nasceste (dizes...

Que eu nada que tu digas acredito),

Contar àquele pobre rapazito

Que me deu tantas horas tão felizes,


Embora não o saibas, que morri...

Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,

Nada se importará... Depois vai dar


A notícia a essa estranha Cecily

Que acreditava que eu seria grande...

Raios partam a vida e quem lá ande!...


ÁLVARO DE CAMPOS

8 comentários:

  1. Mas que soneto! Nele, e pela 'voz' do seu talvez mais importante heterónimo, Pessoa escancara perante o mundo as suas desilusões amorosas e confessa a angústia existencial que toda a vida o acompanhou. Repare-se na subtileza e arte poética.

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  2. Como o título do poema ficou no 'tinteiro', e não vejo forma de o colocar no seu lugar, deixo-o aqui: 'POEMA JÁ ANTIGO'

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  3. O último verso é muito Campos, embora ele me pareça aqui muito pessoano...

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  4. Sabem que existe uma teoria (menos comum) sobre a origem dos heterónimos de F. P., ligada à vivência dele com uma tia (com práticas menos usuais), na África do Sul?

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    1. Tinha ideia de que essa tia se exteriorizava toda já cá, ou seja depois do regresso dele da África do Sul.

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  5. Sobre a génese dos heterónimos, só conheço a carta a Adolfo Casais Monteiro, embora não ponha as mãos no fogo pela sua sinceridade. Da tia não sei nada, mas não me importava de saber.

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    1. Basicamente era uma tia chalupa que falava com os espíritos e outras tretas em que o Pessoa também acreditava, ou dizia que acreditava (mas parece que sim).

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  6. Penso que este poema pertence todo ao engenheiro sensacionista, o tal que queria "sentir tudo de todas as maneiras". Ver o longo poema com este título. Lá está uma Mary, e um Freddie a quem chamava baby... "Fui todos os ascetas, todos os/postos-de-parte, todos/os como que/esquecidos/e todos os pederastas-/absolutsmente todos/(não faltou nenhum)". De Pessoa nada se retira de simples e definitivo.

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