28 de fevereiro de 2024

25 poemas passados para português - #16.


Procuramos por toda a parte

o que está para lá das coisas,

e o que encontramos

são apenas coisas.


Novalis (Wiederstedt, Saxónia, 1772 - Weissenfels,idem, 1801)

versão de João Barrento (Alter do Chão, 1940)

26 de fevereiro de 2024

23 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #23.


VENDO A MORTE


Em todo o lado vejo a morte! E, assim, ao ver
Que a vida já vem morta cruelmente
Logo ao surgir, começo a compreender
Como a vida se vive inùtilmente...

Debalde (como um náufrago que sente,
Vendo a morte, mais fúria de viver)
Estendo os olhos mais àvidamente
E as mãos p'ra a vida... e ponho-me a morrer.

A morte! sempre a morte! em tudo a vejo,
Tudo ma lembra! E invade-me o desejo
De viver toda a vida que perdi...

E não me assusta a morte! Só me assusta
Ter tido tanta fé na vida injusta
...E não saber sequer p'ra que a vivi!


Manuel Laranjeira (Mozelos, Santa Maria da Feira, 1877 - Espinho, 1912)

Comigo (1912) / Líricas Portuguesas. 2.ª Série

(ed. de Cabral do Nascimento)

22 de fevereiro de 2024

3 POEMAS DE ARTUR JORGE (13-2-1946 / 22-2-2024)


*

 

Boca

margem côncava

ângulo de amoras ruivas

esconderijo de águas marinhas

ou de pérolas (abrigadas)

 

manhã de caça

forrada a lâminas

 

de cedros

 

*

 

Se ao menos uma vez o poeta ordenasse

que as aves se despissem

que as aves não gritassem

que as aves a tão alto chegar não chegassem

ou porque tão alto chegarem

outra ordem as parasse

ou um raio ou uma pedra

ou o sino de uma igreja

ou talvez uma palavra

o que calhando bastasse

 

*

 

Os mares são brancos em Marraquexe

de cal

 

ao longe

uma outra cor

de linho

a claridade dos trajes

as casas rasas de lágrimas

 

a rara circunstância das águas

do deserto



25 poemas passados para português - #15.


COMEÇO POR INVOCAR WALT WHITMAN


É por acção de amor ao meu país

que te reclamo, ó necessário irmão,

velho Whitman da cinzenta mão,


para que, com o teu apoio extraordinário,

verso a verso, matemos de raiz

Nixon, o presidente sanguinário.


Sobre a terra não há homem feliz,

ninguém trabalha bem no planeta

se em Washington respira o seu nariz.


Pedindo ao velho bardo que me invista,

os meus deveres assumo de poeta

armado do soneto terrorista,


porque devo ditar sem pena alguma

a sentença até agora nunca vista

de fuzilar um criminoso ingente


que apesar das suas viagens para a lua

já matou na terra tanta gente,

que até foge o papel  e a pena se alevanta


ao escrever o nome do maldito,

do genocida, o da Casa Branca.


Pablo Neruda (Parral, Chile, 1904 - Santiago, 1973),  

Incitamento ao Nixonicídio e Louvor da Revolução Chilena (1973)

versão de Alexandre O'Neill (Lisboa, 1924-1986)

original aqui 

19 de fevereiro de 2024

15 formulações poéticas #12. - Jean-Luc Nancy

 «A poesia é, por essência, mais do que e algo de diferente da própria poesia. Ou antes: a própria poesia pode encontrar-se onde não existe propriamente poesia. Ela pode mesmo ser o contrário ou a rejeição da poesia, e de toda a poesia»

18 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #22.


CANTIGA PARA OS TRABALHADORES DOS CAMPOS


Sou cavador, cavo a terra

Donde nasce a flor e o grão.

Dou aos outros a fartura

E em casa não tenho pão.

 

Hoje planto árvor's e vinha,

Lavro a terra, rego a horta,

E amanhã, em sendo velho,

Pedirei de porta em porta.

 

O sol a todos aquece,

Não nega a luz a ninguém,

Ama os bons e ama os maus

E assim foi Jesus também.

 

A árvore, quanto mais fruto,

Mais baixa os ramos p'ra o chão.

O homem, quanto mais rico,

Mais ergue a sua ambição.

 

A vida do pobre é isto:

-- Trabalhar enquanto moço,

E em velho andar às esmolas

Como o cão que busca um osso.

 

Morre um rico, dobram sinos!

Morre um pobre, não há dobres!

Que Deus é esse dos padres

Que não faz caso dos pobres?

 

Se pão não tenho, e os meus filhos

Me pedem pão a chorar,

Dou-lhes beijos, coitadinhos!

Que mais não lhes posso dar...

 

Sinto no mundo um rumor

Que anuncia um dia novo,

Andam profetas na terra

Abrindo os braços ao povo!

 

O sol nasceu cor de sangue

E a lua da mesma cor.

Gritam as bocas: Mais pão!

E os corações: Mais amor!

 

Bernardo de Passos, (São Brás de Alportel, 1876-1930) 

Refúgio (póst., 1938) / Líricas Portuguesas. 2.ª Série

 (edição de Cabral do Nascimento)

15 de fevereiro de 2024

"FERREIRA DE CASTRO - UMA BIOGRAFIA"

 

Apresentação do 1º volume da biografia de FERREIRA DE CASTRO, autoria de RICARDO ANTÓNIO ALVES: Sábado, dia 17, às 16 horas na BIBLIOTECA MUNICIPAL FERREIRA DE CASTRO, OLIVEIRA DE AZEMÉIS.

14 de fevereiro de 2024

25 poemas passados para português - #14.


QUERERIA ESCREVER POEMAS


Quereria escrever poemas   à noite

E não posso.

Tenho de traduzir os textos

De promoção a

Um creme de beleza.


Vejo pessoas   rapazes

Que não são aqueles

Que desejaria ver.

Os outros   não os conheço.


Converso com raparigas   na cantina

E dizemos coisas 

Idiotas

Que não merecem ser ditas.

Tenho medo de habituar-me

E seguir assim   até à morte.

Alba de Céspedes (Roma, 1911 - Paris, 1997),
Les Filles de Mai (1968)
versão: Ricardo António Alves (Lisboa, 1964)



JE VOUDRAIS ÉCRIRES DES POÈMES

Je voudrais écrire des poèmes,
le soir,
et je ne peux pas.
Il me faut traduire les textes
publicitaires
d'une crème de beauté.

Je vois des gens, des gars,
qui ne sont pas ceux
que je voudrais voir.
Les autres,
je ne le connais pas.

Je cause avec des filles,
à la cantine,
et nous disons des choses
idiotes,
qui ne valent pas la peine
d'être dites.

J'ai peur de m'habituer
et d'aller de l'avant comme ça,
jusqu'à la mort.

12 de fevereiro de 2024

15 formulações poéticas - #11. Fiama Hasse Pais Brandão

 «Não posso ver, hoje, a fome crescente e a chacina entre nações sem comoção. E a emoção pelos seres, pelos outros, pela natureza, pelo Cosmos, gera o poema.»

10 de fevereiro de 2024

JOSÉ RÉGIO: 11 OBRAS, 22 POEMAS - X

 


LEGENDA

 

Não me peças esmola, que sou pobre,

         E avaro do meu pouco,

                 Se mo pedem!

Não me tragas esmola, que sou rico,

          Se penso na miséria

          Que poderias dar-me!

          Dar-te-ei, sem que mo peças.

          Dá-me, sem que eu o saiba.

Expulsei os mendigos do meu Reino!

          Cá, só amor gratuito.

 

--- A Chaga do Lado, 1954



9 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #21


VILANCETE


Como quereis que me ria,
Corpo de ouro, se vos digo
Que trago a morte comigo?

Vir um dia a apodrecer,
Se é destino de quem vive,
Outro destino não tive
Desde a hora de nascer:
Como não hei-de sofrer,
Corpo de ouro, se vos digo
Que trago a morte comigo?

Na dor de todo o momento
Meus dias tristes se vão,
E só tenho a podridão
Em paga do sofrimento:
Sombra de contentamento,
Como a terei se vos digo
Que trago a morte comigo?



Júlio Dantas (Lagos, 1876 - Lisboa, 1962) 
Nada (1896) / Líricas Portuguesas, 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)

7 de fevereiro de 2024

25 poemas passados para português - #13,


INFÂNCIA ENTRE DISCÓRDIAS


Lá fora pendiam, látegos terríveis, os ramos dum freixo

E se de noite levantava o vento, a árvore chicote

Gemia e vergastava o vento como em navio

O sinistro cordame geme horrível na borrasca.


Em casa bradavam duas vozes: esguio chicote

Silvando fúria de fêmea desvairada e o medonho ruído

Da vergasta do macho que açoitava, rugia e sufocava enfim

A outra voz ao som do freixo num silêncio de sangue.



D. H. Lawrence (Notthingham, 1885 - Vence, 1930)

versão de João Almeida Flor, in D. H. Lawrence, Gencianas Bávaras e Outros Poemas (1983)

original aqui

5 de fevereiro de 2024

15 formulações poéticas - #10 - Ruy Belo

«A poesia é um acto de insubordinação a todos os níveis, desde o nível da linguagem como instrumento de comunicação, até ao nível do conformismo, da conivência com a ordem, qualquer ordem estabelecida.»

4 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #20.


MEU PAI


Os meus primeiros passos animaste,

Os meus primeiros erros corrigiste;

E o amor do trabalho que me incutiste

Com a própria lição que me legaste.

 

A ser honesto e digno me ensinaste,

E por igual também me transmitiste

O gosto pelo estudo, e o prazer triste

Do cultivo das musas, que ensaiaste...

 

Meu adorado Pai, quando me atrevo

A pensar no que sou, e no que devo

Ao teu conselho, auxílio e educação,

 

Que santo orgulho eu sinto em continuar-te!

Pois todo o meu engenho e a minha arte

Obras tuas, meu Pai, apenas são!


Delfim Guimarães (Porto, 1872 - Amadora, 1933), 

Alma Portuguesa (1916)