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9 de abril de 2020

PARA SEMPRE, Vergílio Ferreira e histórias de padres

Por conselho de gurus, no nosso CL, mergulhei na leitura de PARA SEMPRE do meu vizinho Virgílio Ferreira. Um mergulho, sublinho. Mas vou ficar pelas margens.
Um dos personagens, recorrentemente invocado, é "o padre Parente", e é a partir dele que venho partilhar...
Escreve o autor: «... um homem fardado na plataforma, tinha uma corneta, seria o chefe? Nós olhámo-lo e subitamente, que estranho. Era o dente saído, o olho azul, o jeito de erguer de lado a cabeça, tudo. Tia Joana não aguentou mais. Dirigiu-se ao homem, nós atrás:
- O senhor desculpe. Mas é alguma coisa ao senhor padre Parente?
- Sou filho.
Tia Joana varada.»
Ora, por esta altura, se, em Manteigas, alguém tivesse perguntado a Ana (que o povo complementara com a alcunha de Parente), "A senhora desculpe. Mas é alguma coisa ao senhor padre Parente?", a resposta, talvez encabulada... ou talvez não, teria sido "Sou filha".
Coincidência?!
Padre António de Jesus Hipólito Parente, pároco de Melo, que Virgílio relembra como músico qualificado e devotado, era irmão de padre Joaquim Dias Parente, excelente músico e intérprete, que paroquiava em Manteigas, freguesia de Santa Maria, onde me batizou.
Genialidades semelhantes, como vemos.
Com o irmão José, farmacêutico na Covilhã, outro génio notado em guitarra, deram concertos em Melo (até para o bispo, em visita), terra de Virgílio Ferreira, e em Manteigas, minha terra.
O padre Joaquim tocou mesmo em Roma, perante Pio XI, que se comoveu (cito).
Para não me alongar, além de referir que este Pe. Joaquim foi convertido em "padre Barradas", por Ferreira de Castro, em A Lã e a Neve, e que eram família de  oito irmãos, uma delas, Maria do Rosário, também personagem castriana, falarei apenas de mais uma história... de padres.
O padre Pedro da Fonseca, meu professor de português e literatura, foi colega de Virgílio Ferreira no seminário do Fundão, e guarda dele a mesma visão tenebrosa do nosso autor. Defensor acérrimo da abolição do celibato obrigatório, não teve a coragem, por causa do amor acrisolado à mãe, de seguir o exemplo do colega, dois anos mais velho. Viveu amargurado toda a vida. Ponto.
Referências: Fotografia dos irmãos Parente, com a mãe e uma personagem não identificada.
Deixo ainda, pelo interesse, uma ligação sobre os padres Parente:

23 de março de 2020

Uma leitura de 100 CARTAS A FERREIRA DE CASTRO

Há muito que um livro não me obrigava a trabalhar tanto: porque me agarrou, porque me informou e ensinou, porque me levou a conhecer pensadores de ideologias libertárias, que aprendi com Fernando Biencard Raposo, homem de teoria e ação daqueles tempos (quem sabe se conhecido de alguns dos literatos referidos no livro), pelo panorama geral da intelectualidade portuguesa dos primeiros quarteis do século XX, pelo testemunho político subjacente a muitas cartas, e como manancial do que designamos por cultura geral.
E isto, graças ao trabalho excelente do nosso "abade entre confrades", Ricardo Alves. Bem haja.
Em sessão discutida, não imaginam o que me teriam de ouvir; nestas circunstâncias de confinamento (a palavra é quase tétrica), vou "morigerar", seguindo bons conselhos sussurrados... aos olhos. Assim, deixo apenas referências ao que me despertou mais a atenção:
Na página 8, a referência a Raul Brandão. Na 22, a confissão dorida que brota na linha 3. Na 32, a sova a Júlio Dantas. Na 70, o tom, entre coloquial e urdido, com finalidade clara, de Tomás Ribeiro Colaço. Na 98, quando ... «Em 1940, decidi escrever um romance...». Na 104, o "epitáfio" a Guerra Junqueiro. Na 109, a Referência a Rocha Martins. Na 128, a mensagem de apoio a Norton de Matos. Na 149, o testemunho genuíno de Maria Lamas. Na 145, em Referência, o que escreve Armindo Rodrigues. Na 171, o que António José Saraiva diz de Ferreira de Castro. Na 178, a carta de Maria Archer. Na 204, a carta de Óscar Lopes, e na 210, a de António Álvaro Dória, além das palavras tumulares de Jorge Segurado. Na 225, o apelo de Virgínia Moura e o que está subjacente. Finalmente, da página 228, o texto que se inicia com «Quando há meio século entrámos no túnel...» e termina «... a chorar com a alegria que só os velhos sabem sentir.», nas palavras de José Gomes Ferreira.
Por fim, um desafio ao nosso Ricardo: fiz o levantamento de todas as obras referidas neste livro, com edições com mais de 70 anos; como princípio geral, livres para divulgação pública (várias já o estão, aliás). Muitas delas, no espólio do Museu Ferreira de Castro. Porque não proceder à sua digitalização para que, ressuscitadas, possam voltar a ser lidas, homenageando quem as escreveu? E mesmo outras que, não existindo no Museu, a que se pudesse aceder. Se o museu não pudesse carregar esse acervo, eu disponibilizo-me para ajudar a encaminhar os ficheiros para local digital adequado, e a divulgá-los em plataforma do maior crédito. No entanto, já comecei a ver quais deles estão já disponíveis para evitar duplicações.
... Eu sei: só as pessoas muito ocupadas têm tempo para empreender novas coisas.

19 de março de 2020

100 CARTAS A FERREIRA DE CASTRO

CARTAS XXIX e XLV

Vou a meio do livro e sinto-me bastante enriquecido cultural e esteticamente com o que vou lendo (as próprias cartas e as suculentas e mui eruditas notas do autor). Renovo, por isso, o meu agradecimento e as felicitações ao Ricardo Alves.
O que em primeiro lugar ressalta destas cartas e creio que da generalidade da literatura epistolar é o revelarem a personalidade e os gostos (às vezes as fraquezas e achaques) de quem as escreve e, indirectamente, também do destinatário. São quase um espelho da própria alma. Curiosa, por exemplo, a confissão/lamento de um já septuagenário M. Teixeira-Gomes (Carta XXIV) quando diz que os empachos da idade só lhe permitem ler muito lentamente. 


Muitas coisas me impressionaram até agora, mas vou apenas referir em particular duas:

Na carta XXIX (João da Silva Correia) achei imensa graça à passagem em que o autor diz a Castro que apesar da prova de algodão quanto ao êxito de uma obra (o fazer chorar a criada) duvidava que tal se verificasse sempre, porque uma peça de teatro que escreveu ao 19 anos e que não tinha pés nem cabeça fez chorar mais na sala de espectáculos do que um Sermão do Encontro (se alguém não souber o que é, posso esclarecer) 

Na carta XLV, Herberto Sales, falando de A Lã e a Neve, diz:
"Ali há vida como só na vida... Não sei como se pode criar um mundo e criar gente de carne e osso, através da simples enfileiração de caracteres tipográficos... Sua força de persuasão é tão grande que a gente não se conforma que Horácio seja um mero tipo de romance. Não. É um moço português que vive e foi recenseado. Ele está aí. Não pode deixar de estar."
Que maior elogio pode receber um autor?