31 de agosto de 2017

UMA PÁGINA...

"Correu o rumor de que os alemães tinham trazido à vila os nossos prisioneiros e quem reconhecesse os seus poderia levá-los. As nossas mulheres levantaram-se, correram para lá! À noite, umas trouxeram os seus, e outras trouxeram estranhos, contaram coisas inacreditáveis: as pessoas apodreciam vivas, morriam de fome, comeram todas as folhas das árvores... Comiam erva... Cavavam raízes... No dia seguinte, corri para lá também, não encontrei nenhum familiar, pensei que podia salvar o filho de alguém. Reparei num moreninho. Chamava-se Schakó, como agora o meu netinho. Tinha uns dezoito anos... Dei a um alemão toucinho e ovos, jurei: «É o meu irmão.» Fiz sinais da cruz. Chegámos a casa, ele não era capaz de comer um ovo, tão fraco estava. Não passou um mês sequer de estar connosco, apareceu um canalha. Vivia como outros, era casado, com dois filhos... Foi ao comando alemão e denunciou-nos, que tínhamos trazido gente estranha. No dia seguinte, os alemães vieram de moto. Suplicámos, caímos de joelhos, mas eles enganaram-nos, disseram que iam levá-los para mais perto das suas casas. Dei ao Schakó o fato do meu avô... Pensava que ele iria viver...
Levaram-nos para fora da aldeia... E abateram-nos a tiros de pistola metralhadora... Todos. Todinhos... Eram jovens, bonitos!"

A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER, pg. 324-325

(A escritora (ou a testemunha) chamou canalha ao delator. É pouco. Ando aqui à procura de palavra mais adequada... Talvez não haja. Os inventores da língua talvez não tivessem conhecido malvadez tamanha...)  

30 de agosto de 2017

uma epígrafe de Óssip Mandelstam,

a abrir os «Excertos do diário» de A Guerra não Tem Nome de Mulher (1985), de Svetlana Alexievich:

                                                        Milhões de mortos ao desbarato
                                                        Trilharam o seu caminho nas trevas...

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