31 de janeiro de 2015

EURICO DE SOUSA, POETA





Nasceu no Funchal em 1933. Foi arquitecto e professor do ensino secundário. Poeta, pertenceu à geração de 50, a de Herberto Helder, com quem conviveu de perto. A sua obra poética está representada em A Festa Sendo em Agosto (1980), com ilustrações da inspiradíssima pintora Alice de Sousa, sua irmã , e Disgrafia Florestal (1995) . Surge, também, em vários livros colectivos: O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (1989); Poet’Arte 90; Olhares Atlânticos/Poesia da Ilha (mostra das artes e letras da Madeira, BN, 1991); e, na antologia Ilha-5,(2008) com um núcleo de poemas denominados As marés como vínculo da memória.   

 Conviveu com a minha geração, no segundo lustre da década de 70. Participou connosco nas Exposições de Poesia Ilustrada, no Teatro de Baltazar Dias, no Funchal. Manteve na década de 80 na RDP-Madeira um programa, importante, para a divulgação e reflexão da poesia moderna integrando nesta as vertentes da poesia insular portuguesa  lendo aos microfones desta estação emissora os seus elucidativos ensaios.  

 Direi, numa opinião muito pessoal, que, a sua poesia faz lembrar algum Helder: a exploração das imagens em movimento, o objecto-poema,  os objectos no espaço e no tempo, a tensão que se estabelece entre criador e leitor onde os seres e as coisas evoluem.  Helder, em carta que lhe escreveu em 1980 disse ser Eurico de Sousa “ um dos pouquíssimos poetas vivos portugueses” na medida em que o poeta refaz imperativamente o mundo. Por sua vez, Frias Martins, em 1984,  considerou-o, de uma discursividade redundante (Poesia em Portugal 1974-1984, Leitura de uma década).

 Aqui, fica em sua homenagem, de A Festa Sendo em Agosto um poema,

A Cor

“Ora se nos é dada a mobilidade das lâmpadas//roçagantes anémonas//entre o casario iluminando-o/rápida luz descendo a terra contornando/os sulcos da alegria cavalgando até ao mar// Protege-te do sol maldito – vês como tudo volta/ao silêncio? Esta visão se sobrepõe ao teu corpo/Seres e coisas se movem vertiginosamente/troca-se os pares dispõem-se as janelas/Rotativo é o céu por sobre as nossas cabeças//ondulam os barcos no porto ondulam//o sangue hibernante”.

Ontem o telefone tocou. A voz da escritora Irene Lucília anunciou-me que o poeta escolheu as nuvens para morada dos seus poemas.                                                         

30 de janeiro de 2015

Castelao, 129



Alfonso R. Castelao nasceu em Rianxo, Galiza,
em 30 de Janeiro de 1886

29 de janeiro de 2015

LEITURAS DAS QUARTAS... 

«A menina não palavreava. Nenhuma vogal lhe saía, seus lábios se ocupavam só em sons que não somavam dois nem quatro. Era uma língua só dela, um dialecto pessoal e intransmixível? Por muito que se aplicassem, os pais não conseguiam percepção da menina. Quando lembrava as palavras ela esquecia o pensamento. Quando construía o raciocínio perdia o idioma. Não é que fosse muda. Falava em língua que nem há nesta actual humanidade. Havia quem pensasse que ela cantasse. Que se diga, sua voz era bela de encantar. Mesmo sem entender nada, as pessoas ficavam presas na entonação. E era tão tocante que havia sempre quem chorasse.
Seu pai muito lhe dedicava afeição e aflição. Uma noite lhe apertou as mãozinhas e implorou, certo que falava sozinho:
- Fala comigo, filha!
Os olhos dele deslizaram. A menina beijou a lágrima. Gostoseou aquela lágrima salgada e disse:
- Mar...



Do conto "A menina sem palavras". Lido na sessão de 28-1-2015

de Bertolt Brecht



Estes que aqui vêem
são os delatores. Por três vinténs
vendem seu vizinho.
Que são conhecidos
bem no sabem; mas a gente
lembrar-se-á sempre?
A noite dormem-na mal --
-- muitos dias há
antes do dia final.

Poema em epígrafe ao quadro «A denúncia», in O Terror e a Miséria no terceiro Reich, tradução de Fiama Hasse Pais Brandão, Lisboa, Portugália Editora, s.d., p. 13,

28 de janeiro de 2015

de Ferreira de Castro

«Zola teve um grande papel na Literatura. Para se avaliar toda a sua extensão, basta imaginarmos que ele não existiu: basta imaginar a literatura dos últimos oitenta anos sem a sua presença. Depois deste pequeno passatempo, rapidamente encontraremos um enorme vazio, que não sabemos como preencher, uma enorme corrente partida, que não sabemos como ligar...»

(Último parágrafo dum texto publicado no volume colectivo Présence de Zola (Paris, 1953), republicado, nesse mesmo ano, na Vértice. Estávamos no cinquentenário da morte do autor de Germinal ). Coligi-o para a antologia de dispersos, que intitulei «A Unidade Fragmentada», Vária Escrita #3, Sintra, 1996)

(lido na sessão de quarta-feira, 21.I.2015)

Vergílio Ferreira, 99



Vergílio Ferreira nasceu em Melo, Gouveia, 28 de Janeiro de 1916.

27 de janeiro de 2015

Ana Margarida de Carvalho fala sobre A SELVA


Ana Margarida de Carvalho estará no Museu Ferreira de Castro esta sexta-feria, 30 de Dezembro, pelas 19 horas, no âmbito da iniciativa «Ler Ferreira de Castro, 40 anos depois». 
1ª edição, 1930
capa: Bernardo Marques

23 de janeiro de 2015

Em Todas as Ruas te Encontro, Mário Cesariny

Kai Ziehl
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo...
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco


 in "Pena Capital" 

Renata Correia BotelhoLido


Lido na sessão de 21 de Janeiro.

Seremos sempre cinco, José Luís Peixoto


Lido na sessão de 21 de Janeiro.

Ruy Cinatti


Lido na sessão de 21 de Janeiro.

Paris vai ter uma rua Dora Bruder

Dora Bruder e os pais, Cécile e Ernest
"A presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, decidiu dar o nome de Dora Bruder a uma rua do 18.º arrondissement de Paris, precisamente a zona onde viveu a jovem judia morta em Auschwitz cuja história Patrick Modiano procura reconstituir no romance Dora Bruder, publicado em 1997." Noticia completa em O Público

Dora Bruder, de Patrick Modiano

Excerto lido na sessão de 21 de Janeiro.


21 de janeiro de 2015

de Antero de Figueiredo

«Este moço, que, aos treze anos de idade, Leonor Teles, pasmada do seu ardimento de criança, por suas mãos armou cavaleiro (servindo-se do pequeno arnês do Mestre de Avis) e depois andou por morador em casa de el-rei, como escudeiro da rainha -- tem agora vinte e dois anos»

início de «O baptismo de sangue de Nuno Álvares», 14 Novelas Históricas Portuguesas, Lisboa, Estúdios Cor, 1965, p. 291.

(lido na sesão de quarta-feira, 14.I.2015)

17 de janeiro de 2015

LER FERREIRA DE CASTRO 40 ANOS DEPOIS

Ontem, no MU.SA, excelente e participada sessão em torno de "A Lã e a Neve" de Ferreira de Castro. Os membros do Clube de Leitura marcaram presença.

15 de janeiro de 2015

Manuel da Silva Ramos fala sobre A LÃ E A NEVE

«Ler Ferreira de Castro, 40 anos depois». No MU.SA -- Museu das Artes de Sintra, sexta-feira, 16 de Janeiro, pelas 19 horas.
tel.: 219238828

(1.ª edição, 1947)
capa de Jorge Barradas


9 de janeiro de 2015

LEITURAS DAS QUARTAS...


«Era uma montanha como as outras.
Tinha formas arredondadas, como todas as montanhas já velhas, muito batidas pelos ventos. Tinha vales pouco profundos, por onde corria um regato que nascia no cume mais alto e descia em múltiplas curvas até à planície. Aí recebia água de outros riachos, nascidos noutras montanhas, e virava rio grande. Mas isso já era longe da nossa montanha, não entra na estória. Aqui era mesmo só um regato de água límpida, saltitando entre os rochedos, lambendo as raízes das árvores que cresciam nas margens. Toda a montanha estava coberta por vegetação: árvores grandes como a mafumeira, a molemba ou a amoreira de tronco branco, e também as de frutas silvestres. No chão se misturavam fetos de diferentes formas e tamanhos, begónias e rosas-de-porcelana. Só num ou noutro sítio tinha capim, capim tenrinho e que não crescia muito, por causa da sombra das grandes árvores, gigantes teimosos escondendo o Sol.
O clima não era muito quente, por causa da altitude. E chovia bastante, daquelas chuvadas rápidas que sem avisar nos caem em cima, embora nunca com grande violência.
A montanha tinha dois cumes principais: o cume Lupi, o mais alto, onde nascia o rio do mesmo nome, e o cume do Sol, no extremo oposto. No meio dos dois cumes havia um morrozito com pedras, sem plantas nem árvores, apenas capim baixo. Era o sítio mais calmo e perfumado da montanha e dali se podia ver melhor o luar de Lua cheia; por isso era o morro da poesia.
Era uma montanha como as outras. Mas seria mesmo?»

(Lido numa quarta-feira destas...)


   

de Ferreira de Castro

 «A imaginação de Reinaldo era tão opulenta e constituía uma tão profunda característica da sua personalidade, que, meia hora depois dele ter assistido a um acontecimento, o tornava incapaz de o reproduzir tal qual o vira. Vestia-o, fatalmente, de aspectos imaginários, tirando-o da mesquinhez da verdade para o colocar em relevo, em grandeza, em interesse -- para que ele fosse o que devia ter sido e não o que fora. E Reinaldo não fazia isto por cálculo, por técnica, por experiência do ofício, mas espontaneamente, naturalmente -- porque não podia ver a vida de outra maneira. A sua personalidade forçava-o a ser infiel à realidade, porque `realidade falta, geralmente, encanto, mistério, fascinação.»

«Reinaldo Ferreira», incluído n'O Livro do Repórter X, Lisboa, Agência Editorial Brasileira, 1936 -- livro de homenagem e auxílio à família de Reinaldo Ferreira, falecido no ano anterior.

(lido na sessão das quartas, 7-I-2015)

8 de janeiro de 2015

de José Eduardo Agualusa

«Chamava-se Hotel Gaivota e ficava quase escondido por detrás de uma enorme duna, numa praia deserta da Paraíba. Vi-o de longe e à luz incerta do entardecer pareceu-me um esplêndida toalha de renda, como aquelas que se vendem na Feira de Caruaru, estendida entre palmeiras altas. Quando me aproximei percebi que o edifício inteiro fora construído com tijolos dispostos lado a lado -- e não no enfiamento uns dos outros, como é usual --, de forma a que o ar pudesse circular livremente através dos orifícios. Mais tarde pude confirmar as virtudes deste ardil: os quartos, embora pequunos, permaneciam sempre frescos. À noite, estendido na minha cama, eu ouvia a brisa atravessar as paredes, e era como se o prédio inteiro respirasse.»

Início de «Um hotel entre palmeiras», Fronteiras Perdidas, 5.ª edição, Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2009, p. 33.
(lido na sessão de quarta-deira, 10 de Dezembro de 2014)

7 de janeiro de 2015

entre o céu e a terra

O livro reúne duas duas intervenções do escultor, reflectindo sobre a Arte em geral, e a sua em particular. E executa-o com grande profundidade e uma solidez de escrita que encarreira os textos para a categoria de obras literárias, que irrefutavelmente (também) são.
Em «A história da minha vida», Chafes concebe um escultor nascido na Francónia medieval do século XIII e que, sem limitações de ou tempo de espaço, deambula entre o Norte e o Sul da Europa ao longo de mais de meio milénio, trabalhando e aprendendo com os mestres de cada época -- dos artistas das catedrais  francesas aos pré-românticos alemães. Trata-se de uma autobiografia estética, em que as inquietações e os desígnios de Chafes enquanto artista são equacionados. Como exercício estético, associo-o a Orlando, romance de Virginia Woolf e a A Arca Russa, filme de Alexander Sokurov.
O segundo texto, «O perfume das buganvíleas» é constituído por 46 fragmentos, cada um susceptível de comentário desenvolvido. Direi apenas que encontro uma marca estóica no encarar, no apreender e no justificar da morte ("A beleza é impossível sem as marcas da morte", p. 40); a consciência do dom e a responsabilidade ética que implica, acompanhada de nostalgia por uma pretensa época dourada, com o inevitável questionamento da desumanização da sociedade mercantilizada que nos coube viver, e em que o consumo se estende à arte. 
Prezo ainda a consequência que é retirada: a do artista (só não escrevo verdadeiro artista porque me lembra o Serafim Saudade) como elemento de resistência e sanidade em face da poluição mercantil que nos condiciona.
 
Rui Chafes, Entre o Céu e a Terra, Lisboa, Documenta, 1912.
 
[publicado noutro blogue, entretanto suspenso]

5 de janeiro de 2015

APOLO E DAFNE




Dafne foi perseguida por Apolo, aquela ninfa só pode escapar ao deus convertendo-se em louro, planta a que alude o seu nome. Esta metamorfose segundo algumas versões foi obra de seu pai o deus-rio Peneo, e, segundo outras, de Zeus. Desde então o louro foi a planta consagrada a Apolo , deus da música e das artes.
Na literatura o tema dos amores de Apolo e Dafne foi amplamente tratado na poesia do século de ouro por Gracilaso de la Vega , (1526-36); Arguijo   dedica-lhe um soneto (1605); e Quevedo escreve sonetos desmitificadores sobre o tema em 1605: Fábula de Dafne Y Apolo; no teatro Lope de Vega escreve El amor enamorado, publicado postumamente em 1635; em pintura são muitas as representações deste episódio tratado entre outros por Tiépolo(Louvre, sec XVIII). E, em escultura, por Bernini (Apolo Y Dafne 1622-25 galeria Borghese, Roma) e, G. Coustou Dafne, 1721, Louvre.  Na música é conhecido O louro de Apolo, uma zarzuela escrita em 1657.
Quanto a Apolo sabe-se que é o deus do fogo solar e da beleza, das artes plásticas e da música e da poesia; é também deus oracular e o deus da purificação. O seu poder é temível. É filho de Zeus e de Leto e irmão gémeo de Artemisa.
O mais formoso dos deuses teve numerosas aventuras amorosas nem  sempre afortunadas. Várias ninfas despertaram a sua paixão mas nem sempre o receberam de braços abertos. Cirene que  teve dele Aristeo; Clitia, e Dafne foram outras paixões. Teve amores com as musas como Talía ou Urania de cuja união nasceu Orfeo. Entre as amantes teve algumas mortais como Castalia jovem de Delfos que foi transformada em fonte; ou Casandra . Apolo amou também o jovem Jacinto e converteu-o em flor quando um acidente o privou da vida.

São múltiplas as funções de Apolo. Deus da harmonia, a ele se atribui a invenção da música e da poesia. Frequentemente dirige as danças das musas no monte Parnaso. É também o deus que purifica.  Conhece a arte de sarar as feridas livrando-as de todas as impurezas. É o luminoso (phoibos). É deus guerreiro que se põe do lado dos troianos durante o conflito contra os áqueos. Os seus animais preferidos são os lobos, cisnes e delfins e a sua planta o loureiro tributo da esquiva Dafne.

Os romanos adoptaram rapidamente este deus prestigioso do qual retiveram sobretudo o seu poder curativo e os seus atributos solares. Frequentemente aparece designado com o nome de Febo. O imperador Augusto (63-  14 ) converteu-o em seu deus tutelar e fez correr o rumor de que Apolo era seu pai.

Apolo aparece muitas vezes na Ilíada, Na República e nas Leis, de Platão; Na idade média em Gil Vicente, e, no séc XVIII  em Holderlin (1797-99) aí o deus  confunde-se com as figuras de Júpiter,  Dionísio, e, de Cristo.
 Para Holderlin o poeta está investido de uma missão divina e expressa, pela sua revolta, a evocação da sua origem solar. Assim mesmo em Keats Apolo encarna o acesso ao saber e à procura de uma nova poesia. Em Nietzsche particularmente em O Nascimento da tragédia (1872) Apolo aparece como representante do mundo do sonho, da ordem e do equilíbrio opondo-se neste sentido a Dionisio, simbolo do arrebatamento das forças criadoras. Desta definição procede o termo apolinismo.

( tradução livre que efectuei para a língua portuguesa a partir  da Mitología griega Y romana, de Rene Martin). LG.