18 de março de 2024

101 poemas portugueses - #27


Porque as mães sempre amaram tudo quanto
Chora de baixo, ou pede algum perdão,
Quer seja a flor, que sofre em qualquer canto,
Seja a raiz, às cegas pelo chão.

E mortas -- não lhes morre ao pé um pranto,
Que elas não sequem com a sua mão,
-- Mesmo quietinhas, inda afagam tanto,
Mesmo geladas, que calor não dão!

Basta que à tarde, pequenino e estreito,
Um fio d'água passe por seu peito,
Logo julgam, de novo, os peitos cheios;

De modo que não há por todo o solo,
Miséria, que não durma no seu colo,
Desgraça, que não mame no seu seio!

Nunes Claro (Lisboa, 1878 - Sintra, 1949)
A Cinza das Horas (1928)

16 de março de 2024

101 poemas portugueses - #26


RELÍQUIA


Era de minha mãe: é um pobre chale
Que tem p'ra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
Da que ele agasalhou em nossa casa.

Na sua trama já puída e lassa
Deixo os meus dedos p'ra senti-la ainda;
E Ela vem, é ela que me abraça,
Fala de coisas que a saudade alinda.

É a minha mãe, mais perto, mais pertinho,
Que eu sinto quando toco o velho chale
Que guarda um não sei quê do seu carinho.

E quando a vida mais me dói, no escuro,
Sinto ao tocá-lo como alguém que embale
E beije a minha sede de amor puro.


António Patrício (Porto, 1878 - Macau, 1930),
in Cabral do Nascimento, Líricas Portuguesas - 2.ª Série

13 de março de 2024

25 poemas passados para português - #18


OS ARAUTOS NEGROS


Há pancadas tão fortes na vida... Eu sei lá!

Pancadas como do ódio de Deus; como se sob elas
a ressaca de todo o sofrimento
estagnasse na alma... Eu sei lá!
 
Poucas; mas acontecem... Abrem leivas escuras
no rosto mais duro e no dorso mais forte.
Serão talvez os potros de átilas selvagens;
ou os arautos negros que nos envia a Morte.
 
São as profundas quedas dos Cristos da nossa alma,
de uma fé adorável que o Destino blasfema.
Tais pancadas sangrentas são as crepitações
de um pão que na porta do forno se nos queima.
 
E o homem... Pobre... Pobre! Volta os olhos, como
quando sobre o seu ombro uma palmada o vem chamar;
volta seus olhos loucos, e todo o já vivido
como um charco de culpa estagna em seu olhar.
 
Há pancadas na vida tão fortes... Eu sei lá!


César Vallejo (Santiago de Chuco, Peru, 1892 - Paris, 1938),
Antologia Poética, versão de José Bento.

10 de março de 2024

101 poemas portugueses - #25


ROSAS SEM ESPINHOS


Esta rosinha de Assis,
sem espinhos, que eu de lá trouxe,
murcha, luminosa e doce,
no seu leve aroma diz:
-- Uma vez tentado foi

o Santo pla carne inquieta;
eis que o desejo lhe dói
numa agonia secreta.


E com a sede dos beijos
e dos ardentes carinhos,
arroja o corpo em desejos
às rosas cheias de espinhos!


Mas nós, quando então o temos
no abraço deste rosal,
os espinhos recolhemos
para lhe não fazer mal.


Afonso Lopes Vieira (Leiria, 1878 - Lisboa, 1946)
Um Ramos de Rosas - Colhidas por José da Cruz Santos na Poesia Portuguesa e Estrangeira

7 de março de 2024

25 poemas passados para português - #17.


MULHER


Não saíste, Mulher, inteiramente,

Das mãos de Deus! A sede e a formosura

Dos homens completam a figura

Divina que tu és, -- eternamente.

 

O amor do homem, na ansiedade ardente,

Vestiu de glória a mocidade pura

Da tua vida. Para ti procura

Um canto o Poeta, infatigàvelmente.

 

Sem descanso, o pintor, numa ansiedade,

Às tuas formas dá actividade,

Para adornar teu corpo alvo e risonho.

 

Jardins, o mar e a terra abrem o seio,

Dão-te oiro, flores, pérolas, enleio...

 

-- És metade Mulher, metade Sonho!

 

Rabindranath Tagore, (Jorasanko Takurban, Calcutá, 1861-1941)

 Poesias de Tagore (O Músico e o Poeta)

versão de Augusto Casimiro (São Gonçalo, Amarante, 1889 - Lisboa, 1967)

6 de março de 2024

o início de CINCO DIAS, CINCO NOITES

 

«Com 19 anos incompletos, André viu-se forçado a emigrar.»

Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites [1975], Lisboa, Editorial «Avante!», 1994, p. 9.

4 de março de 2024

15 formulações poéticas - #14. José Tolentino Mendonça

 «[...] creio que é o silêncio que escreve o poema. As palavras estão lá para o testemunhar. Porque o poema não é a evidência, mas a interrogação, a sugestão, a lacuna, a fenda, a porta entreaberta, a possibilidade de viagem para cá e para lá dele.»

3 de março de 2024

101 poemas portugueses - #24.


CANÇÃO DUMA SOMBRA 


Ah, se não fosse a névoa da manhã
E a velhinha, para ouvir a voz das cousas,
                    Eu não era o que sou.

Se não fosse esta fonte, que chorava,
E como nós cantava e que secou...
E este sol que eu comungo de joelhos,
                     Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse este luar, que chama
Os espectros à vida e se inflitrou,
Como fluido mágico, em meu ser,
                    Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse o vento, que embalou
Meu coração e as nuvens, nos seus braços,
                    Eu não era o que sou.

Sem esta terra funda e fundo rio,
Que ergue as asas e sobe, em claro voo;
Sem estes ermos montes e arvoredos,
                    Eu não era o que sou.


Teixeira de Pascoais (Amarante, 1877 - Gatão, 1952),

As Sombras (1907) / Antologia Poética

(ed. por Ilídio Sardoeira)

28 de fevereiro de 2024

25 poemas passados para português - #16.


Procuramos por toda a parte

o que está para lá das coisas,

e o que encontramos

são apenas coisas.


Novalis (Wiederstedt, Saxónia, 1772 - Weissenfels,idem, 1801)

versão de João Barrento (Alter do Chão, 1940)

26 de fevereiro de 2024

23 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #23.


VENDO A MORTE


Em todo o lado vejo a morte! E, assim, ao ver
Que a vida já vem morta cruelmente
Logo ao surgir, começo a compreender
Como a vida se vive inùtilmente...

Debalde (como um náufrago que sente,
Vendo a morte, mais fúria de viver)
Estendo os olhos mais àvidamente
E as mãos p'ra a vida... e ponho-me a morrer.

A morte! sempre a morte! em tudo a vejo,
Tudo ma lembra! E invade-me o desejo
De viver toda a vida que perdi...

E não me assusta a morte! Só me assusta
Ter tido tanta fé na vida injusta
...E não saber sequer p'ra que a vivi!


Manuel Laranjeira (Mozelos, Santa Maria da Feira, 1877 - Espinho, 1912)

Comigo (1912) / Líricas Portuguesas. 2.ª Série

(ed. de Cabral do Nascimento)

22 de fevereiro de 2024

3 POEMAS DE ARTUR JORGE (13-2-1946 / 22-2-2024)


*

 

Boca

margem côncava

ângulo de amoras ruivas

esconderijo de águas marinhas

ou de pérolas (abrigadas)

 

manhã de caça

forrada a lâminas

 

de cedros

 

*

 

Se ao menos uma vez o poeta ordenasse

que as aves se despissem

que as aves não gritassem

que as aves a tão alto chegar não chegassem

ou porque tão alto chegarem

outra ordem as parasse

ou um raio ou uma pedra

ou o sino de uma igreja

ou talvez uma palavra

o que calhando bastasse

 

*

 

Os mares são brancos em Marraquexe

de cal

 

ao longe

uma outra cor

de linho

a claridade dos trajes

as casas rasas de lágrimas

 

a rara circunstância das águas

do deserto



25 poemas passados para português - #15.


COMEÇO POR INVOCAR WALT WHITMAN


É por acção de amor ao meu país

que te reclamo, ó necessário irmão,

velho Whitman da cinzenta mão,


para que, com o teu apoio extraordinário,

verso a verso, matemos de raiz

Nixon, o presidente sanguinário.


Sobre a terra não há homem feliz,

ninguém trabalha bem no planeta

se em Washington respira o seu nariz.


Pedindo ao velho bardo que me invista,

os meus deveres assumo de poeta

armado do soneto terrorista,


porque devo ditar sem pena alguma

a sentença até agora nunca vista

de fuzilar um criminoso ingente


que apesar das suas viagens para a lua

já matou na terra tanta gente,

que até foge o papel  e a pena se alevanta


ao escrever o nome do maldito,

do genocida, o da Casa Branca.


Pablo Neruda (Parral, Chile, 1904 - Santiago, 1973),  

Incitamento ao Nixonicídio e Louvor da Revolução Chilena (1973)

versão de Alexandre O'Neill (Lisboa, 1924-1986)

original aqui 

19 de fevereiro de 2024

15 formulações poéticas #12. - Jean-Luc Nancy

 «A poesia é, por essência, mais do que e algo de diferente da própria poesia. Ou antes: a própria poesia pode encontrar-se onde não existe propriamente poesia. Ela pode mesmo ser o contrário ou a rejeição da poesia, e de toda a poesia»

18 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #22.


CANTIGA PARA OS TRABALHADORES DOS CAMPOS


Sou cavador, cavo a terra

Donde nasce a flor e o grão.

Dou aos outros a fartura

E em casa não tenho pão.

 

Hoje planto árvor's e vinha,

Lavro a terra, rego a horta,

E amanhã, em sendo velho,

Pedirei de porta em porta.

 

O sol a todos aquece,

Não nega a luz a ninguém,

Ama os bons e ama os maus

E assim foi Jesus também.

 

A árvore, quanto mais fruto,

Mais baixa os ramos p'ra o chão.

O homem, quanto mais rico,

Mais ergue a sua ambição.

 

A vida do pobre é isto:

-- Trabalhar enquanto moço,

E em velho andar às esmolas

Como o cão que busca um osso.

 

Morre um rico, dobram sinos!

Morre um pobre, não há dobres!

Que Deus é esse dos padres

Que não faz caso dos pobres?

 

Se pão não tenho, e os meus filhos

Me pedem pão a chorar,

Dou-lhes beijos, coitadinhos!

Que mais não lhes posso dar...

 

Sinto no mundo um rumor

Que anuncia um dia novo,

Andam profetas na terra

Abrindo os braços ao povo!

 

O sol nasceu cor de sangue

E a lua da mesma cor.

Gritam as bocas: Mais pão!

E os corações: Mais amor!

 

Bernardo de Passos, (São Brás de Alportel, 1876-1930) 

Refúgio (póst., 1938) / Líricas Portuguesas. 2.ª Série

 (edição de Cabral do Nascimento)

15 de fevereiro de 2024

"FERREIRA DE CASTRO - UMA BIOGRAFIA"

 

Apresentação do 1º volume da biografia de FERREIRA DE CASTRO, autoria de RICARDO ANTÓNIO ALVES: Sábado, dia 17, às 16 horas na BIBLIOTECA MUNICIPAL FERREIRA DE CASTRO, OLIVEIRA DE AZEMÉIS.

14 de fevereiro de 2024

25 poemas passados para português - #14.


QUERERIA ESCREVER POEMAS


Quereria escrever poemas   à noite

E não posso.

Tenho de traduzir os textos

De promoção a

Um creme de beleza.


Vejo pessoas   rapazes

Que não são aqueles

Que desejaria ver.

Os outros   não os conheço.


Converso com raparigas   na cantina

E dizemos coisas 

Idiotas

Que não merecem ser ditas.

Tenho medo de habituar-me

E seguir assim   até à morte.

Alba de Céspedes (Roma, 1911 - Paris, 1997),
Les Filles de Mai (1968)
versão: Ricardo António Alves (Lisboa, 1964)



JE VOUDRAIS ÉCRIRES DES POÈMES

Je voudrais écrire des poèmes,
le soir,
et je ne peux pas.
Il me faut traduire les textes
publicitaires
d'une crème de beauté.

Je vois des gens, des gars,
qui ne sont pas ceux
que je voudrais voir.
Les autres,
je ne le connais pas.

Je cause avec des filles,
à la cantine,
et nous disons des choses
idiotes,
qui ne valent pas la peine
d'être dites.

J'ai peur de m'habituer
et d'aller de l'avant comme ça,
jusqu'à la mort.

12 de fevereiro de 2024

15 formulações poéticas - #11. Fiama Hasse Pais Brandão

 «Não posso ver, hoje, a fome crescente e a chacina entre nações sem comoção. E a emoção pelos seres, pelos outros, pela natureza, pelo Cosmos, gera o poema.»

10 de fevereiro de 2024

JOSÉ RÉGIO: 11 OBRAS, 22 POEMAS - X

 


LEGENDA

 

Não me peças esmola, que sou pobre,

         E avaro do meu pouco,

                 Se mo pedem!

Não me tragas esmola, que sou rico,

          Se penso na miséria

          Que poderias dar-me!

          Dar-te-ei, sem que mo peças.

          Dá-me, sem que eu o saiba.

Expulsei os mendigos do meu Reino!

          Cá, só amor gratuito.

 

--- A Chaga do Lado, 1954



9 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #21


VILANCETE


Como quereis que me ria,
Corpo de ouro, se vos digo
Que trago a morte comigo?

Vir um dia a apodrecer,
Se é destino de quem vive,
Outro destino não tive
Desde a hora de nascer:
Como não hei-de sofrer,
Corpo de ouro, se vos digo
Que trago a morte comigo?

Na dor de todo o momento
Meus dias tristes se vão,
E só tenho a podridão
Em paga do sofrimento:
Sombra de contentamento,
Como a terei se vos digo
Que trago a morte comigo?



Júlio Dantas (Lagos, 1876 - Lisboa, 1962) 
Nada (1896) / Líricas Portuguesas, 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)

7 de fevereiro de 2024

25 poemas passados para português - #13,


INFÂNCIA ENTRE DISCÓRDIAS


Lá fora pendiam, látegos terríveis, os ramos dum freixo

E se de noite levantava o vento, a árvore chicote

Gemia e vergastava o vento como em navio

O sinistro cordame geme horrível na borrasca.


Em casa bradavam duas vozes: esguio chicote

Silvando fúria de fêmea desvairada e o medonho ruído

Da vergasta do macho que açoitava, rugia e sufocava enfim

A outra voz ao som do freixo num silêncio de sangue.



D. H. Lawrence (Notthingham, 1885 - Vence, 1930)

versão de João Almeida Flor, in D. H. Lawrence, Gencianas Bávaras e Outros Poemas (1983)

original aqui

5 de fevereiro de 2024

15 formulações poéticas - #10 - Ruy Belo

«A poesia é um acto de insubordinação a todos os níveis, desde o nível da linguagem como instrumento de comunicação, até ao nível do conformismo, da conivência com a ordem, qualquer ordem estabelecida.»

4 de fevereiro de 2024

101 poemas portugueses - #20.


MEU PAI


Os meus primeiros passos animaste,

Os meus primeiros erros corrigiste;

E o amor do trabalho que me incutiste

Com a própria lição que me legaste.

 

A ser honesto e digno me ensinaste,

E por igual também me transmitiste

O gosto pelo estudo, e o prazer triste

Do cultivo das musas, que ensaiaste...

 

Meu adorado Pai, quando me atrevo

A pensar no que sou, e no que devo

Ao teu conselho, auxílio e educação,

 

Que santo orgulho eu sinto em continuar-te!

Pois todo o meu engenho e a minha arte

Obras tuas, meu Pai, apenas são!


Delfim Guimarães (Porto, 1872 - Amadora, 1933), 

Alma Portuguesa (1916)

31 de janeiro de 2024

JOSÉ RÉGIO: 11 OBRAS, 22 POEMAS - IX

 

NOSSA SENHORA

 

Tenho ao cimo da escada, de maneira

Que logo, entrando, os olhos me dão nela,

Uma Nossa Senhora de madeira

Arrancada a um Calvário de capela.

 

Põe as mãos com fervor e angústia. O manto

Cobre-lhe a testa, os ombros, cai composto;

E uma expressão de febre e espanto

Quase lhe afeia o fino rosto.

 

Mãe das Dores, seus olhos enevoados

Olham, chorosos, fixos, muito além…

E eu, ao passar, detenho os passos apressados,

Peço-lhe: – «A sua bênção, Mãe!»

 

Sim, fazemo-nos boa companhia,

E não me assusta a sua dor: quase me apraz.

O Filho dessa Mãe nunca mais morre. Aleluia!

Só isto bastaria a me dar paz.

 

– «Porque choras, Mulher?» – docemente a repreendo.

Mas à minh´alma, então, chega de longe a sua voz

Que eu bem entendo:

– «Não é por Ele…»

                                   – «Eu sei! teus filhos somos nós.»

 

--- Mas Deus É Grande, 1945



25 poemas passados para português - #12.


Todos sabem que eu nunca murmurei uma oração

Todos sabem que nunca tentei dissimular os meus defeitos.

Ignoro se existe uma Justiça e uma Misericórdia...

Entretanto, tenho confiança, porque sempre fui sincero.


Omar Khayyam (Nisahpur, Irão, c. 1048-c. 1131)

Rubaiyat - Odes ao Vinho

versão de Fernando Castro

30 de janeiro de 2024

Pelo Tejo vai-se para o mundo (02)

 UMA ESPÉCIE DE PERDA

Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis, 
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada.

(-o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.

Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.


Ingeborg Bachmann em O Tempo Aprazado: poemas (1953-1967)
Tradução de João Barrento e Judite Berkemeier
Assírio & Alvim, 1992

29 de janeiro de 2024

15 formulações poéticas - #9 - Harold Bloom

«Não se pode ensinar alguém a amar a grande poesia quando esse alguém chega até nós sem esse amor. Como é que se pode ensinar a solidão?»

26 de janeiro de 2024

101 poemas portugueses - #19.


SONETO


Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado,
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz do esquecimento.
Pára surpreso, escutando, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado:
Pára e fica e demora-se um momento.
Pára e fica; na doida correria
Pára à beira do abismo e se demora:
E mergulha na noite escura e fria
Um olhar d'aço que essa noite explora;
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.

Ângelo de Lima (Porto, 1872 - Lisboa, 1921),
in Cabral do nascimento, Líricas Portuguesas - 2.ª Série (1946)