Mostrar mensagens com a etiqueta "O Meu Tio de Nantes". Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta "O Meu Tio de Nantes". Mostrar todas as mensagens

5 de abril de 2024

o início de O MEU TIO DE NANTES

«Os ossos vão em caixinhas para Lisboa, para o Porto, para Coimbra.» Carlos Daniel, O Meu Tio de Nantes, Fundão e Amadora, Jornal do Fundão / Canto Redondo, 2023, p. 9.

3 de abril de 2024

 O MEU TIO DE NANTES


"Nós íamos a pé para os aterros do rio e demorávamos mais de uma hora a chegar lá, troc, troc, por aquelas veredas abaixo e ele no seu cestinho de vime à cabeça da tia Teresa que já teria para aí uns dezoito ou dezanove anos (... ...) Depois pousava-o numa sombra, ou embrulhadinho em cobertores, no pino do inverno,  e quando ele chorava muito ela dizia-me assim: «Ó Gilda toma lá conta dele que tu és ainda muito pequenina para andares aqui com as perninhas dentro desta água tão fria o dia inteiro.» E às vezes era eu que ficava com ele ao colo. Eu acho que ele chorava de fome, coitadinho, e eu abanava-o, abanava-o até a tia Teresa ter outra vez um bocadinho de leite para ele mamar porque ela tinha muito pouco leite. Ó filho, quando hoje me lembro disto tudo até me parece que aquilo não pode ter acontecido: irmos três garotas, no pino do frio e do calor, para o Cabeço do Pião com uma merendita para o dia inteiro e a tia Teresa com aquela cestinha de vime à cabeça, com o Floriano lá dentro, que veio a casar com uma Palmira de Moncorvo e eram primos da Fernanda do Lúcio que trabalhava na Câmara do Barreiro e que o marido a deixou. E passávamos o dia inteiro a arear, a arear dentro do rio... e aquele menino à cabeça para trás e para diante.

Ai filho(...)"

(Pg. 79-80)


Este belíssimo livro, que se lê com gula e deleite, é assinado por Carlos Daniel. Contudo, podemos afirmar que a verdadeira autora é a Senhora sua Mãe, Dona Gilda, que em grande parte lho 'ditou', através de longos telefonemas ou em conversas dispersas ao longo da vida. A Carlos Daniel coube a meritória tarefa de, com talento e arte, converter os monólogos telefónicos e os pitorescos relatos da anciã em belíssimas peças de prosa.  

Um abraço de parabéns, Carlos Daniel. Antevejo uma sessão animada e enriquecedora, na qual, com muita pena minha, não poderei estar presente. 

F. Faria