JUNTO À ÁGUA
Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da
infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.
Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz da infância, que o teu silêncio me
chamasse!
E perdi-vos para sempre entre prédios
altos,
sonhos de beleza, e em ruas
intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos
e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas
molduras.
Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores
sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.
MANUEL ANTÓNIO PINA, Um Sítio onde Pousar a Cabeça (1991)
Prémio Camões 2011.
ResponderEliminarA infância, esse país perdido.
ResponderEliminarBelo poema. Comovente realidade .É lá na infância que somos inteiros.
ResponderEliminarPorque serão tão belas palavras como nostalgia, saudade, melancolia...? Talvez para que a perda que evocam não nos derrote.
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