27 de novembro de 2023

101 poemas portugueses - #10


JORGE

Constantemente vejo o filho amado
Na minha escuridão, onde fulgura
A estática pupila da loucura,
Sinistra luz dum cérebro queimado.

Nas rugas de seu rosto macerado
Transpira a cruciantíssima tortura
Que escurentou na pobre alma tão pura
Talento, aspirações... tudo apagado!

Meu triste filho, passas vagabundo
Por sobre um grande mar calmo, profundo,
Sem bússola, sem norte e sem farol!

Nem gosto nem paixão te altera a vida!
Eu choro sem remédio a luz perdida...
Bem mais feliz és tu, que vês o sol.


Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825 - São Miguel de Seide, Vila Nova da Famalicão, 1890), Nas Trevas (1890) / Poesia, edição de Ernesto Rodrigues, 2008. 

7 comentários:

  1. Comovente poema. Página imortal n litertura portuguesa de todos os tempos dificilmente ultrapassada. Brilhante escolha da sua parte.
    A "acácia do Jorge", como a vi e senti, ainda deve estar na base da húmida escadaria que dá acesso à casa de S. Miguel de Seide. Ela na sua fragilidade contorcida e flagelada, na cegueira das suas folhas minguadas , lutando por luz, simboliza, e, expressa o sentimento trágico dessas almas.

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    1. É verdade, Laurindo, tudo é trágico aqui: o poema, o título (o nome do filho alienado), o título do livro, o ano em que foi publicado, o do suicídio.

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  2. Acho que nunca tinha lido poesia de Camilo. Minha culpa! Tendo em fundo a lembrança à Casa, em S. Miguel de Seide, com uma guia excelente, o poema sensibilizou-me. Nota alta.

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    1. Está longe de ser o melhor da sua obra, mas há um ou outro portentoso.

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    2. Refiro-me à poesia do Camilo em geral, e não concretamente a este poema, que é dos melhores que conheço escritos por ele.

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  3. Obrigado, Ricardo, por me dar a conhecer este angustiante brado do infeliz Camilo, que tanto admiro como escritor. Não tinha, sequer, ideia do tal filho Jorge...

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