10 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (34)

 

NAMBUANGONGO MEU AMOR

 

Em Nambuangongo tu não viste nada

não viste nada nesse dia longo longo

a cabeça cortada

e a flor bombardeada

não tu não viste nada em Nambuangongo.

 

Falavas de Hiroxima tu que nunca viste

em cada homem um morto que não morre.

Sim nós sabemos Hiroxima é triste

mas ouve em Nambuangongo existe

em cada homem um rio que não corre.

 

Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto

em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece

em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu

não sabes mas eu digo-te: dói muito.

Em Nambuangongo há gente que apodrece.

 

Em Nambuangongo a gente pensa que não volta

cada carta é um adeus em cada carta se morre

cada carta é um silêncio e uma revolta.

Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.

E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.

 

É justo que me fales de Hiroxima.

Porém tu nada sabes deste tempo longo longo

tempo exactamente em cima

do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima

com a palavra morte em Nambuangongo.

 

MANUEL ALEGRE, Praça da Canção (1965)


6 comentários:

  1. Isto não é um poema

    TU nunca
    Estiveste
    Numa guerra
    Como eu estive

    TU nunca
    Sentiste
    Nada
    Como eu senti

    TU nunca
    Perdeste
    Tudo
    Como eu perdi

    TU nunca
    Viste
    A morte
    Como eu vi

    TU nunca
    Moraste
    Na vida
    Como eu morei

    TU és apenas
    Um mero
    TU
    Tu e todos os tus
    Que nunca serão
    Eu
    Que nunca serão
    Nós
    E jamais me conseguirão
    Ferir...

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  2. Não sendo um incondicional de MA, nem como poeta nem como prosador, gosto bastante deste poema, e de uns tantos mais, com uma sonoridade que associo à voz do autor.

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    1. Eu ouvia-o falar de Argel na Rádio Voz da Liberdade. Essa voz! Quanto ao poema, acho que é um grande poema do nosso século XX. Não só pela poesia, mas por tudo.

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  3. Excelente. É dos que gostaria de ter sido eu a escrever.

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