12 de outubro de 2015

A CASA BRANCA NAU PRETA ...

Álvaro de Campos imaginado por Almada Negreiros (do painel de azulejos na entrada da Faculdade de Letras de Lisboa)
 
Poema lido na sessão de Felicidade na Austrália, de Liberto Cruz. O título do livro foi extraído do último verso do poema. Ver aqui:


2 de outubro de 2015

Liberto Cruz, FELICIDADE NA AUSTRÁLIA

Um livro de contos transbordante de humor, por vezes felliniano, mas também com uma idiossincrasia muito portuguesa. À memória chegaram-me passagens de O que Diz Molero, de Dinis Machado, e a «Trilogia dos Cafés», de Álvaro Guerra.
Liberto Cruz, mais conhecido como ensaísta e investigador literário (Júlio Dinis, Ruben A., Blaise Cendrars) e poeta, traz para a literatura portuguesa uma nova região literária: não a Austrália -- o título é retirado dum verso do Pessoa/Álvaro de Campos, citado em epígrafe --, não o país dos cangurus, mas o «Estado Independente de Penaferrim», ele próprio um microcosmos do Portugal do tempo do Estado Novo. Liberto Cruz, nascido há oitenta anos na conhecida freguesia sintrense de São Pedro de Penaferrim, ficciona as suas memórias do lugar com um distanciamento nada nostálgico -- ou, se alguma nostalgia puder vislumbrar-se, estará filtrada pelo estranhamento do tempo e da distância, a distância de quem tem mais mundos, outros mundos.

1 de outubro de 2015

Felicidade na Austrália

Para a sessão de amanhã, o início dos contos de Felicidade na Austrália, de Liberto Cruz:

O moço do cego: «Faltava um mês para a corrida pedestre Légua de Penaferrim e o Figueiredo já tinha preenchido duas folhas de papel com o nome dos apostadores.»
A última ceia: «Conheci o Benjamim Baleia quando ninguém lhe chamava marquês, nem morava num palacete.»
O eléctrico: «Quando a Carlota, a mais velha das irmãs Prazeres, apareceu grávida, ninguém se inquietou em Penaferrim: estavam habituados ao forrobodó daquela família.»
Deolinda: «Ao entrar no segundo ano de viuvez, Deolinda da Silveira Lopes interrompeu o luto pelo seu defunto marido, Delfim Serrano Lopes.»
A casa de pasto: «Havia três tabernas em Penaferrim quando o Vasco Pé Curto abriu uma casa de pasto na antiga barbearia do Azevedo Costa, falecido sem deixar herdeiros.»
A condessa: «Devia ter uns doze ou treze anos, quando conheci a condessa.»
Dois cavalos e um boi: «Primeiro foram as cartas anónimas.»
Sete sopas: «Numa tarde chuvosa de Dezembro, estava o regedor de Penaferrim a jogar à bisca na taberna do Gaguinhas quando o ajudante da Junta de Freguesia interompeu a partida.»
Os falsos pides: «No dia 27 de Julho de 1974, a polícia militar prendeu o droguista Crispim na casa de um compadre onde festejava o aniversário da afilhada.»
Cabeça e pés: «Libânio Patrocínio Alves dos Reis Alvarenga era conhecido em Penaferrim pelo Cabeça Grande
Júlio Petróleo: «Tinham o mesmo nome: Júlio.»
Os gémeos: «Num fim de tarde, de uma Primavera quente, as gémeas Clara e Lúcia Fradinho disseram aos pais que gostariam de casar no dia de S. Pedro.»
É a vida: «Entre dois copos de vinho tinto, o Paulino Casinhas disse, na taberna do Fonseca, que ia emigrar para França, mas ninguém lhe prestou atenção.»
Adolfo versus Bife: «O Adolfo não era Alemão nem o Bife era Inglês.»

Liberto Cruz, Felicidade na Austrália, Lisboa, Editorial Estampa, 2014.