«Com que sorriso de piedade se desesperava por ter acreditado na arte e na virtude, quando só existe, hirto, o oiro. Aqueles que nascidos sem ilusão, ou que cedo a tinham arrancado, triunfaram, mercê da tenacidade: ele, que passara a mocidade absorvido no Sonho, quando acordou, já tarde, viu-se velho, cambado e escarnecido. E só tinha sofrido...» Raul Brandão, A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore [1926], Lisboa, Editorial Verbo, 1972, pp. 11-12.
22 de dezembro de 2017
18 de dezembro de 2017
o outro lado da 'Cidade Maravilhosa'
«Como é feia a cidade maravilhosa vista do lado de lá -- do lado dos subúrbios e da periferia, do lado da miséria.» Zuenir Ventura, Inveja -- Mal Secreto, Lisboa, Planeta, 2010, p. 32.
14 de dezembro de 2017
INSANUS OU A INSÂNIA DO QUOTIDIANO
Insanus, de Carlos Querido, é um livro de contos editado em Julho deste ano pela Abysmo.
Anteriormente, o autor publicara Salir de
Outrora (2007), Praça da Fruta (
2009), A Redenção das Águas (2013) e Príncipe Perfeito-Rei Pelicano, Coruja e
Falcão (2015). Se o primeiro destes livros se apresenta como uma pesquisa
em torno de documentos históricos relativos aos coutos do Mosteiro Cisterciense
de Alcobaça, Praça da Fruta é uma
narrativa cuja acção decorre nos nossos dias, remetendo embora para os marcos
históricos fundamentais das Caldas da Rainha (em cuja região nasceu e reside o
autor), enquanto os dois últimos livros são romances históricos em torno das
figuras reais de D. João V e D. João II, ambas com ligações conhecidas ao burgo
caldense.
O conto, género
literário agora trabalhado pelo autor, radica «em ancestrais tradições
culturais que faziam do ritual do relato um factor de sedução e de aglutinação
comunitária» (Dicionário de Narratologia de
Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes), processo bem patente em duas obras da
tradição europeia: Decameron, de
Boccaccio (séc. XIV), e Heptameron, de
Margarida de Navarra (séc. XVI). É caracterizado pela concisão, brevidade e unidade de efeito (Allan Poe). Certa crítica realça-lhe a capacidade de criar
uma atmosfera em detrimento da acção.
Os contos de Insanus não têm uma leitura linear e
unívoca. Há a considerar uma história de superfície (em que o estranho ou o
fantástico quase sempre imperam) e outra escondida, de segundo nível, a que não
se acede directamente. Neste sentido, é compreensível que a epígrafe da
colectânea tenha sido retirada de Edgar Allan Poe, autor de contos fantásticos
e teorizador do género literário short
story. São vinte e nove contos narrados na primeira e na terceira pessoa
com as vozes das personagens fundidas no discurso do narrador. Tratando-se de
contos curtos (entre duas a sete páginas), estabelece-se um relação próxima com
o poema, o fragmento e até o sketch, tendo
em conta o humor amargo que transparece em alguns deles. As marcas da
ambiguidade e do inesperado estão presentes nas alusões aos universos paralelos
e às dicotomias sombra/luz e mundo real/mundo fictício. A referência em
diversos textos à figura da “Repartição”, opressora e castradora dos sonhos das
personagens, sugere a dimensão do desejo irrealizado face ao desencanto da vida
quotidiana, trazendo à lembrança o poema “O Funcionário Cansado”, de António
Ramos Rosa, do livro Viagem através de
uma Nebulosa (1960): «Sou um funcionário apagado / um funcionário triste /
a minha alma não acompanha a minha mão» – da mesma forma que a sombra não
acompanha o corpo da personagem do conto “Sombras”, antes se solta dele num
registo paradoxal e inquietador.
Não sendo possível
abordar todos os textos da colectânea, referir-nos-emos de forma breve a
“MitoLógico”, “Legião é o Meu Nome” e “Insanus”.
“MitoLógico” retoma a
imagem do unicórnio de Júlio Pomar, pintura realizada em 1955 para o Café
Central das Caldas da Rainha, já referida pelo autor em Praça da Fruta. Porém, a atenção do leitor é conduzida neste conto para
a lição de Kafka, precisamente a que é dada em A Metamorfose. Com uma diferença assinalável: se o infeliz Gregor
Samson não encontra forma de resolver a sua monstruosa transformação, acabando
por morrer para alívio de toda a família, a inominada personagem de
“MitoLógico” descobre talvez a salvação no relacionamento com a sua colega de
curso. Neste sentido, apesar do final ambíguo, regista-se uma mensagem que
diríamos de esperança. História de recorte fantástico, deve ser vista com mais
propriedade na sua dimensão metafórica e simbólica. O género conto, pela concisão
e brevidade, presta-se à transmissão de um conceito moral ou um exemplo. Vários
títulos testemunham esta aptidão que lhe é normalmente reconhecida: Contos & Histórias de Proveito & Exemplo
(Gonçalo Fernandes Trancoso), Novelas
Exemplares (Cervantes), Contos
Exemplares (Sophia). Em “MitoLógico” há indiscutivelmente uma história de
proveito e exemplo: a do adolescente incompreendido pelos seus progenitores, o
recurso a psicólogos para suprir as consequências da falta de amor, a
necessidade de encontrar fora da família, entre os da sua idade, o amparo que
lhe falta em casa. Há aqui, sob a narrativa de superfície, uma mensagem não
explícita para o leitor desvendar. Aliás, a introdução da letra capital L no
cerne do título, desintegrando a estrutura semântica do vocábulo e transformando-o
no sintagma “mito lógico”, estabelece um paradoxo indiciador de que muito mais há
a ler e a compreender para além da peripécia do aparecimento do corno na testa
do protagonista.
“Legião É o Meu Nome”
representa, de certa fora, um diálogo intertextual com o episódio do geraseno
endemoninhado, segundo os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas. De que maneira
pode aceitar um defensor dos direitos dos animais, como é o caso do
protagonista do conto, o sacrifício da vara de porcos a que se acolheu, por
vontade de Jesus, a legião de demónios? O conto questiona a mensagem dos
evangelhos e a insensibilidade do Filho de Deus que deixou afogar no mar os
indefesos animais. Marcos dá-nos conta do desespero dos próprios gerasenos perante
aquele “massacre” de consideráveis consequências económicas (a vara tinha cerca
de dois mil porcos), tendo suplicado a Jesus que abandonasse os seus territórios
(Marcos, 5-17). Assim, a alusão ao hermético episódio dos evangelhos e a
incompreensão dos pastores da Igreja (padre Serafim) perante a crise psíquica
do protagonista traduzem-se numa crítica aos que, confundidos por princípios
religiosos, abandonam os homens à solidão e ao sofrimento sem remédio. Aspecto
interessante deste conto é o facto de a narração se efectuar em registo epistolar
através de carta dirigida pelo protagonista à sua mulher, carta datada de
Rilhafoles, 13 de Maio de 2013 ( curioso, tanto o local como a data), não
faltando mesmo um post scriptum.
Finalmente, “Insanus”, o último conto que dá título à colectânea.
Neste texto, segundo um efeito de mise en
abyme, há um narrador que conta uma história sobre o autor-narrador dos
vinte e oito contos antecedentes. Mais uma vez, estão presentes as alusões a
lugares das Caldas da Rainha (fonte das Cinco Bicas) e da sua região (feira
medieval de Óbidos). É na noite da cidade termal, entre o «cheiro tépido de
cinza e enxofre», que ocorre a revolta das personagens contra o criador que
lhes deu a vida (vida de cão, como se lê em diversos contos). É grande o rol
das criaturas: «um tipo que cheira a cinza, um unicórnio, náufragos, suicidas,
uma mulher que tem o corpo do marido a apodrecer em casa, um pistoleiro sem
nome, dois pregadores, um surfista, etecetera, etecetera» – todas saídas das
páginas do livro. Protestam as infelizes por não lhes ter sido dada uma
existência decente, fazendo-as protagonistas de enredos tristes e desgraçados. O autor-narrador sente-se culpado, tem dúvidas
sobre a legitimidade das histórias e pensa em outras soluções que poderia ter
encontrado para não fazer tão infelizes as suas criaturas. Tomado pelas
dúvidas, talvez se tenha lembrado da conhecida frase de Nietzsche: «Não é a
dúvida, mas a certeza que nos torna loucos»
– ele que havia criado os seus contos
ao abrigo de uma frase peremptória sobre a insânia: I became
insane, with long intervals of horrible sanity. E sente-se aliviado quando por fim amanhece e as
personagens contestatárias desaparecem «para cumprir os enredos que são os seus
destinos».
Pela nossa parte, não
tendo motivo para recear personagens de ficção, ficamos a aguardar com
interesse os próximos contos de Carlos Querido.
13 de dezembro de 2017
4 prisioneiros numa cela
«Voltaram a calar-se. Estavam sobre os caixotes, com os cotovelos fixos nos joelhos e as faces entre as mãos, humildes, apagados, à maneira de emigrantes esperando no cais, resignadamente, o momento de embarque; e, por detrás deles, a cela apresentava uma obscuridade de porão que tivesse apenas meia escotilha aberta.» Ferreira de Castro, A Experiência [1954], 11.ª ed., Lisboa, Cavalo de Ferro, 2014, p. 44.
7 de dezembro de 2017
Lessing em Almada
Nathan o Sábio, de G. H. Lessing, estreia hoje no Teatro Municipal Joaquim Benite, levada à cena pela Companhia de Teatro de Almada, com encenação de Rodrigo Francisco.
29 de novembro de 2017
21 de novembro de 2017
do milagre
«NATHAN - - [...] A minha Recha
não aceita que seja milagre ter sido salva
por um ser humano, o que já de si é um milagre
e nada pequeno! [...]»
Gottold Ephraim Lessing, Nathan o Sábio, trad. Yvette Centeno, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 45.
não aceita que seja milagre ter sido salva
por um ser humano, o que já de si é um milagre
e nada pequeno! [...]»
Gottold Ephraim Lessing, Nathan o Sábio, trad. Yvette Centeno, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 45.
17 de novembro de 2017
«O crânio, e depois o temperamento:
as duas partes mais duras do corpo.» J. M. Coetzee, Desgraça [1999], trad. José Remelhe, Lisboa, Biblioteca Sábado, 2008, p. 6.
13 de novembro de 2017
da coragem
«A coragem na guerra e a coragem do pensamento são duas coragens diferentes. E eu julgava que eram a mesma.» Svetlana Alexievich, A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985), trad. Galina Mitrakhovich, Lisboa, Elsinore, 2016, p. 29.
7 de novembro de 2017
"NATHAN O SÁBIO" E OUTROS LIVROS
As cruzadas vistas pelos árabes, de Amin
Maalouf, é um livro que surge naturalmente na leitura do poema dramático Nathan o sábio, de Gotthold Lessing.
Como não estive presente na sessão, não sei se a obra do escritor libanês foi referida
pelos colegas do Clube de Leitura ou pelos visitantes do teatro de Almada.
A peça de
Lessing, escrita, como sabe quem leu o prefácio de Manuela Nunes, para arrumar
de forma exemplar a controvérsia teológica e filosófica com o ortodoxo luterano
Johann Melchior Goeze, afasta-se um pouco da verdade histórica e, na verdade,
nem tinha de a respeitar por inteiro. O aspecto que mais me intrigou, foi a
presença em Jerusalém do patriarca romano. À luz de Maalouf e dos cronistas
árabes citados, o patriarca abandonou a cidade depois de ela ter sido tomada por
Saladino em 1187. O sultão de origem curda (Saladino nasceu em Tikrit, actual
Iraque) foi, de resto, magnânimo, deixando-o sair com todo o ouro da igreja e
aliviando consideravelmente o valor dos resgates exigidos para a partida dos
cristãos. Destes, só os ortodoxos gregos e os jacobitas permaneceram na cidade
santa das três religiões monoteístas.
Já as
referências ao exaurido tesouro de Saladino são concordantes com a palavra dos
cronistas. As promíscuas alianças existentes naquele século XII entre o pessoal
político-militar dos diversos credos, sobretudo
cristãos e muçulmanos, tornam verosímil o novelo de parentescos desfiado
nas últimas cenas.
Sem tirar mais conclusões, penso que Nathan o sábio deverá ter originado uma boa discussão entre os leitores. É um livro como gosto,
dos que nos obrigam a procurar outros livros. Foi por ele que voltei a folhear
o Decameron de Boccaccio, em cuja
obra se inscreve a parábola dos três anéis,
usada por Lessing como peça fulcral do seu poema dramático e contada, na obra do escritor toscano, pela personagem Filomena. Ainda sobre Boccaccio: são notáveis o prefácio do autor sobre a peste que grassou em Florença de Março a
Julho de 1348 e a sua judiciosa conclusão a respeito das «cem novelas que em
dez dias contaram sete donzelas e três donzéis.»2 de novembro de 2017
o Sonho
-- Mas afinal que sonho é esse em que falas?
-- É para lá da vida, é a vida ideal. É talvez o céu. Em arte, é o livro que se entrevê e que gagueja, nunca atingindo o livro que imaginamos. E, em música, a aspereza em lugar dos sons e das vozes misteriosas que ouvimos em certas horas e que não podemos reproduzir.» Raul Brandão, A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore [1926], Lisboa, Editorial Verbo, 1972, p. 8.
30 de outubro de 2017
uma epígrafe de Ovídio
«A inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o sol». Em Inveja -- Mal Secreto, de Zuenir Ventura (1998).
25 de outubro de 2017
névoa sobre a vila
«Caía uma chuva miudinha. Caía sobre a neblina que se agarrava ao chão, babujando a terra, como fumaça de fogueira que uma atmosfera pesada não deixasse subir. A praça dir-se-ia coberta de algodão movediço e das mulheres que a atravessavam ora se via apenas a cabeça, ora somente um vago negrume agitando-se no meio da brancura ululante.» Ferreira de Castro, A Experiência [1954], 11.ª ed. [1.ª autónoma], Lisboa, Cavalo de Ferro, 2014, p. 43.
19 de outubro de 2017
"verbo áspero"
«[...] a mãe passou a carpir em sua própria língua, puxando um lamento milenar que corre ainda hoje a costa pobre do Mediterrâneo: tinha cal, tinha sal, tinha naquele verbo áspero a dor arenosa do deserto.» Raduan Nassar, Lavoura Arcaica [1975], Lisboa, Companhia das Letras, 2016, p. 170.
17 de outubro de 2017
a morte, essa galhofeira
«A morte costuma assim zombar com algumas das suas presas, como a fera com a vítima, quando a deixa fugir já ferida, e salteando-a outra e muitas vezes, renova o gozo de lhe rasgar as carnes, até que duma assentada a despedaça.» Camilo Castelo Branco, O Judeu [1866], Silveira, E-Primatur, 2016, p. 127.
13 de outubro de 2017
o início da DESGRAÇA
«Para um homem da sua idade, cinquenta e dois anos, tem resolvido bastante bem, segundo ele, o problema do sexo.» J. M. Coetzee, Desgraça [1999], trad. José Remelhe, Lisboa, Biblioteca Sábado, 2008, p. 5.
11 de outubro de 2017
"Percebi que as mulheres têm maior dificuldade em matar."
«A sensação insuportável de que não se quer morrer está sempre no centro. Ter de matar é ainda mais insuportável porque a mulher dá vida. Doa-a. Transporta-a longamente dentro de si, cria-a, desfaz-se em cuidados. Percebi que as mulheres têm maior dificuldade em matar.» Svetlana Alexievich, A Guerra não Tem Nome de Mulher (1985), trad. Galina Mitrakhovich, Lx., Elsinore, 2016, p. 24.
2 de outubro de 2017
"e todos de mãos dadas a olhamos com sofreguidão e candura."
«Por melhores e mais conscientes amizades que mais tarde se adquiram, nenhuma chega à dos vinte anos, quando o homem não tem interesses a defender e os sentimentos estão em pleno viço. Não há um de nós que saiba ainda o que vale a existência e todos de mãos dadas a olhamos com sofreguidão e candura.» Raul Brandão, A Morte do palhaço e o Mistério da Árvore [1926], Lisboa, Editorial Verbo, 1972, p. 7.
29 de setembro de 2017
26 de setembro de 2017
22 de setembro de 2017
"Fica mais feio o feio que consente o belo"
«--Não se pode esperar de um prisioneiro que sirva de boa vontade na casa do carcereiro; da mesma forma, pai, de quem amputamos os membros, seria absurdo exigir um abraço de afeto; maior despropósito que isso só mesmo a vileza do aleijão que, na falta das mãos, recorre aos pés para aplaudir o seu algoz; age quem sabe com a paciência proverbial do boi: além do peso da canga, pede que lhe apertem o pescoço entre os canzis. Fica mais feio o feio que consente o belo...»
Raduan Nassar, Lavoura Arcaica [1975], Lisboa, Companhia das Letras, 2016, p. 143.
21 de setembro de 2017
coisas memoriais
fonte |
«Ao mesmo tempo, D. João V lançava a primeira pedra daquela vasta mole de granito e mármore que aí está chamada mafra, cousa de triste e pavoroso aspecto, monumento que a si se levantou um braço real, como se a qualidade do braço o ressalvasse, posteridade além, da nota de se ter imergido no tesouro da pátria, tirando e espalhando às rebatinhas mãos-cheias de ouro que deviam cair em estradas, em colónias, em benefícios da navegação, em benefícios da agricultura, em recultivação das terras de D. Dinis, cujos arados D. Manuel e João III converteram em espadas e mandaram ensopar no sangue das nações de além-mar.»
Camilo Castelo Branco, o Judeu [1866], Silveira, E-Primatur, 2016, p. 120.
17 de setembro de 2017
12 de setembro de 2017
historiadora da alma
fonte |
«Não escrevo sobre a guerra, mas sobre o ser humano na guerra. Não escrevo a história da guerra, mas a história dos sentimentos. Sou historiadora da alma. Por um lado, estudo um homem concreto que vive num tempo concreto, tendo participado em acontecimentos concretos, por outro, preciso de descobrir um homem eterno. A trepidação da eternidade. O que sempre existe no homem.»
Svtelana Alexievich, A Guerra não Tem Rosto de Mulher, trad. Galina Mitrakhovich, Lisboa, Elsinore, 2016, pp. 21-22.
7 de setembro de 2017
o início de A MORTE DO PALHAÇO E O MISTÉRIO DA ÁRVORE
«[K. Maurício] // A cada passo se formam por aí grupos literários.»
Raul Brandão, A Morte do palhaço e o Mistério da Árvore [1926], Lisboa, Editorial Verbo, 1972, p. 7
5 de setembro de 2017
A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER - Notas de leitura
- querer devorar o livro, mas, ao contrário de outros que ficam no palato como um vinho bom quando o estilo é superior, ou se debicam continuamente como um petisco num fim de tarde de praia, sem querer nem saber como parar a leitura, querer e não querer que esta acabe, tal a pressão psicológica a que somos sujeitos;
- testemunho indirecto da saga da mulher soviética de armas (e outros artefactos) na mão, enfrentando o invasor germânico, uma miríade de histórias pessoais e contraditórias, tendo por comum pano de fundo a bestialidade da guerra e sofrimento generalizado. Por vezes, uma centelha de humanidade, o milagre da humanidade no meio do inferno que os homens engendram;
- A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985), de Svetlana Alexievich pertence àquela categoria de obras que nos retratam cruamente, como realmente podemos ser em situações-limite. No testemunho pode emparceirar com Se Isto É um Homem (1947), de Primo Levi, ou O Arquipélago Gulag (1973), de Alexander Soljenitsin; em ficção, podemos verificar uma clima opressivo correspondente em narrativas de inspiração autobiográfica, como A Oeste Nada de Novo (1929), de Erich Maria Remarque, ou A Selva (1930), de Ferreira de Castro, ou ainda a desesperança sórdida da Viagem ao Fim da Noite (1932), de Céline;
- forma superior de jornalismo, é já literatura, uma literatura para a História.
31 de agosto de 2017
UMA PÁGINA...
"Correu o rumor de que os alemães tinham trazido à vila os nossos prisioneiros e quem reconhecesse os seus poderia levá-los. As nossas mulheres levantaram-se, correram para lá! À noite, umas trouxeram os seus, e outras trouxeram estranhos, contaram coisas inacreditáveis: as pessoas apodreciam vivas, morriam de fome, comeram todas as folhas das árvores... Comiam erva... Cavavam raízes... No dia seguinte, corri para lá também, não encontrei nenhum familiar, pensei que podia salvar o filho de alguém. Reparei num moreninho. Chamava-se Schakó, como agora o meu netinho. Tinha uns dezoito anos... Dei a um alemão toucinho e ovos, jurei: «É o meu irmão.» Fiz sinais da cruz. Chegámos a casa, ele não era capaz de comer um ovo, tão fraco estava. Não passou um mês sequer de estar connosco, apareceu um canalha. Vivia como outros, era casado, com dois filhos... Foi ao comando alemão e denunciou-nos, que tínhamos trazido gente estranha. No dia seguinte, os alemães vieram de moto. Suplicámos, caímos de joelhos, mas eles enganaram-nos, disseram que iam levá-los para mais perto das suas casas. Dei ao Schakó o fato do meu avô... Pensava que ele iria viver...
Levaram-nos para fora da aldeia... E abateram-nos a tiros de pistola metralhadora... Todos. Todinhos... Eram jovens, bonitos!"
A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER, pg. 324-325
(A escritora (ou a testemunha) chamou canalha ao delator. É pouco. Ando aqui à procura de palavra mais adequada... Talvez não haja. Os inventores da língua talvez não tivessem conhecido malvadez tamanha...)
"Correu o rumor de que os alemães tinham trazido à vila os nossos prisioneiros e quem reconhecesse os seus poderia levá-los. As nossas mulheres levantaram-se, correram para lá! À noite, umas trouxeram os seus, e outras trouxeram estranhos, contaram coisas inacreditáveis: as pessoas apodreciam vivas, morriam de fome, comeram todas as folhas das árvores... Comiam erva... Cavavam raízes... No dia seguinte, corri para lá também, não encontrei nenhum familiar, pensei que podia salvar o filho de alguém. Reparei num moreninho. Chamava-se Schakó, como agora o meu netinho. Tinha uns dezoito anos... Dei a um alemão toucinho e ovos, jurei: «É o meu irmão.» Fiz sinais da cruz. Chegámos a casa, ele não era capaz de comer um ovo, tão fraco estava. Não passou um mês sequer de estar connosco, apareceu um canalha. Vivia como outros, era casado, com dois filhos... Foi ao comando alemão e denunciou-nos, que tínhamos trazido gente estranha. No dia seguinte, os alemães vieram de moto. Suplicámos, caímos de joelhos, mas eles enganaram-nos, disseram que iam levá-los para mais perto das suas casas. Dei ao Schakó o fato do meu avô... Pensava que ele iria viver...
Levaram-nos para fora da aldeia... E abateram-nos a tiros de pistola metralhadora... Todos. Todinhos... Eram jovens, bonitos!"
A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER, pg. 324-325
(A escritora (ou a testemunha) chamou canalha ao delator. É pouco. Ando aqui à procura de palavra mais adequada... Talvez não haja. Os inventores da língua talvez não tivessem conhecido malvadez tamanha...)
30 de agosto de 2017
uma epígrafe de Óssip Mandelstam,
a abrir os «Excertos do diário» de A Guerra não Tem Nome de Mulher (1985), de Svetlana Alexievich:
Milhões de mortos ao desbarato
Trilharam o seu caminho nas trevas...
fonte |
21 de julho de 2017
27 de junho de 2017
25 de junho de 2017
21 de junho de 2017
13 de junho de 2017
2 de junho de 2017
31 de maio de 2017
V ENCONTROS FERREIRA DE CASTRO - OSSELA E BARALHAS, 26 E 27 DE MAIO
«De regresso à estrada, vê-se, logo adiante das Baralhas, um panorama surpreendente. É o vale de Cambra. Quase ignorado até há pouco, a sua beleza ganha, dia a dia, maior renome. (...) O espectáculo imponente pode-se contemplar da estr., onde existe um miradoiro próprio.» -- GUIA DE PORTUGAL, 3º volume, Beira e Beira Litoral; Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, pp. 609 e 610, texto de Ferreira de Castro. -- Sábado, 27 de Maio, os participantes no miradoiro das Baralhas.
24 de maio de 2017
18 de maio de 2017
15 de maio de 2017
O Misterioso embrulho das "cartas femininas" -- "Dizer o indizível no Museu Ferreira de Castro"
«O misterioso embrulho das "cartas femininas", a abrir em 2050 - Dizer o indizível no Museu Ferreira de Castro»
http://w3.patrimoniocultural.pt/museus2017/public/view.php?id=782
Dia 18 de maio, 5.ª feira, pelas 18 horas.
http://w3.patrimoniocultural.pt/museus2017/public/view.php?id=782
Dia 18 de maio, 5.ª feira, pelas 18 horas.
13 de maio de 2017
12 de maio de 2017
10 de maio de 2017
8 de maio de 2017
Sobre a Inveja de Zuenir Ventura
Desta feita, a leitura do mês é já uma antiga conhecida… há
10 anos. (Parece-me numa outra vida.) Na altura, estava empenhada em
ler toda a coleção
Planos Pecados da editora brasileira Objetiva… hoje continuo com a
mesma contabilidade de leitura.
No entanto, este foi um daqueles livros que contribuiu para uma transformação
pessoal, talvez quase imperceptível, pelo menos para os outros. Ao acompanhar
as pesquisas e reflexões apresentadas pelos autor, fui percebendo como a mesma
agia e, como tal, percebi como minava alguma das minhas re(l)ações, o que me
deu uma base para agir e introduzir algumas (pequenas) alterações no modo como
lido/lidava com certas pessoas e situações. Sintetizei algumas dessas
aprendizagens desta forma:
- A inveja é o mais inconfessável dos pecados e realça as características mais vis das pessoas. Enquanto todos os outros pecados são contra uma virtude, ela é contra toda virtude.
- A inveja necessita sempre de pelo menos dois indivíduos com uma relação de desigualdade e o invejoso é sempre aquele que se sente prejudicado. Ela é socialmente útil, pois controla a vaidade e o orgulho; além disso, estimula a inovação, impedindo a acomodação, reduzindo o desequilibro entre os indivíduos. Só se inveja quando se está triste e a quem está perto. A sua base é a busca do poder: a mais-valia; mas o que mais desperta é a impotência: ficar passivo, olhando, se corroendo por dentro. Muitas das vezes é a projecção nos outros da malícia que na verdade está dentro de nós.
- A inveja é mais azeda entre as mulheres por causa de uma vivência de privação. Elas têm de lutar mais, ter mais talento, mais competência. A maioria das coisas invejadas pertence à esfera do narcisismo: beleza, juventude, honra, glória, fama, poder, coisas tangíveis mas que se podem perder facilmente.
- A inveja é a exploração de nosso campo magnético por outra pessoa e está sempre associada ao olhar, ao mau-olhado. E a inocência não serve para proteger. Mascara-se muitas vezes sob a forma de elogio, que é sempre recebido com reservas, porque se teme que ele funcione como mau agouro. Ninguém elogia com boas intenções.
- A inveja tem sempre uma energia negativa e não há diferenciação entre boa e má inveja: destrói e corrói sempre.
Espero que apreciem esta leitura. Eu vou fazer o exercício de
ler o livro 10 anos depois.
J
7 de maio de 2017
5 de maio de 2017
Novelas Gráficas
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