16 de outubro de 2025

101 poemas portugueses - #71

 

QUOTIDIANO


As mulheres afadigam-se

a estender a migalha de sargaço

que a nortada trouxe à beirada.

Mesmo à mão, sem graveta.

Interrompo o meu cerzir de escrita

e abarco-as num golpe de olhar.

Longe, num rosal de espumas,

cruzam-se duas traineirinhas:

uma entra, em direcção à Póvoa,

outra sai, rumo ao largo.


Luísa Dacosta (Vila Real, 1927 - Matosinhos, 2015),

A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

15 de outubro de 2025

O(s) Egipto(s) de Eça de Queirós e Ferreira de Castro

 


O Egipto, civilização eterna fundada há cinco mil anos (!), que continua a suscitar tanto interesse em todo mundo, deixou também um legado ao estado que continua a ostentar o seu nome -- o Egipto contemporâneo, que, como ainda hoje mesmo as notícias nos recordam, persiste como um dos países mais importantes à escala global, por várias razões.

Eça de Queirós e Ferreira de Castro visitaram-no com décadas de intervalo e em séculos diferentes (1869 e 1935). Romancistas diferentes, com idades diferentes, tal como diversas foram as circunstâncias em que por lá andaram, deixaram o testemunho escrito, tanto acerca do tempo dos faraós, como aquilo que os seus olhos puderam observar no terreno.

Sobre as diferenças e semelhanças dos dois olhares irá constar minha conversa,  esta sexta-feira, 17 de Outubro, às 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.


 

9 de outubro de 2025

as aberturas de CONTOS BÁRBAROS

4.«A Mimosa de Carrapatelo». «Em todo o Carrapatelo não havia o que se diz uma árvore!»

3. «Os figos de pau». «O tio António Chapeleiro -- assim chamado, porque a sogra, falecida havia muitos anos, fabricava de sua mão chapéus de palha centeia e os vendia nas feiras --, era um velhote rijo e conservado como trave de castanho cortado em boa lua.»

2. «Milagre». «Nesse Inverno, de tanto chover, as estradas ficaram esbeiçadas.»

1. «A Velha das Panelas». «Debaixo do grande carrego dos púcaros, tão grande, que tapava o sol, a velha sacudia os pés nus sem tropeção, pós-catrapós, à flor das pedras, em caminhos que se estiravam desde a Candelária, subindo e descendo montes, preguiçosamente, até o campo da feira.»

João de Araújo Correia, Contos Bárbaros [1939], 8.ª ed., Lisboa, Âncora Editora, 2023.

3 de outubro de 2025

RELEITURAS EM FÉRIAS 3

 


Detesto o abuso ilimitado e sem vergonha da expressão «é único», para impingir banalidades numa sociedade que (quase) conseguiu exaurir o significado das palavras, mas encontro-me numa situação em que me questiono como hei de classificar o livro de António Lobato, LIBERDADE OU EVASÃO.
É que é mesmo único: e particularmente para mim.
Reli-o pela terceira vez - o que é já sintomático - e decidi propô-lo para leitura no nosso Clube, agora que foi feita mais uma edição.
Esperam que lhes descreva o conteúdo? Não vou fazê-lo. O desafio da leitura perderia com isso.
Deixo apenas alumas notas pessoais.
Por via de danças palacianas do sec.XVI, que a esposa dirigia, conheci o António e tornámo-nos amigos: próximos.
Quando ele foi libertado, era eu enfermeiro militar em Neurocirurgia e Neuropsiquiatria, e acolhi militares que tinham vindo da Operação Mar Verde, o que me levou a tomar conhecimento de factos de alto secretismo, ao tempo.
Por acaso da História, um conterrâneo amigo esteve envolvido no ato de abertura do portão que colocou o António Lobato numa liberdade... condicionada. Omito o nome por respeito à privacidade.
Conheciam-se, e quando comuniquei ao ZP que o Major Lobato tinha morrido, respondeu apenas com uma expressão perturbadíssima: «já sabia». Não me revelou como.
Desafio feito, encerro assim as minha pequenas crónicas de Releituras.

2 de outubro de 2025

o início de O DELFIM

 

«Aqui estou.» José Cardoso Pires, O Delfim [1968], 9.ª ed., Lisboa, Moraes Editores, 1979, p. 9