13 de fevereiro de 2012

PRESÍDIO, David Mourão-Ferreira

Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

Eros de Passagem -- Poesia Erótica Contemporânea, selecção e prefácio de Eugénio de Andrade, Porto, Limiar, 1982, p. 50.

(lido na sessão de 3 de Fevereiro de 2012)

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