1 de novembro de 2013

JESUS POBREZINHO, anónimo

Vindo um lavrador da arada,
Encontrou um pobrezinho;
O pobrezinho lhe disse:
-- Tenho fome e tenho frio;
Lavrador, por Deus te peço,
Leva-me no teu carrinho. --
Deu-lhe a mão o lavrador,
No carro já o metia;
À sua casa o levava,
À melhor sala que tinha.
Mandou-lhe fazer a ceia,
Do melhor manjar que havia;
Sentou-o à sua mesa,
Coa a sua mão o servia.
Mandou-lhe fazer a cama,
Da melhor roupa que tinha;
Por baixo damasco roxo,
Por cima cambraia fina.

Era meia-noite em ponto,
O pobrezinho gemia.
Levantou-se o lavrador,
A ver o que o pobre tinha:
Deu-lhe o coração um baque,
Como ele não ficaria...
Achou-o crucificado
Numa cruz de prata fina!

-- Meu Senhor, quem tal soubera,
Que em minha casa vos tinha...
Mandara fazer preparos,
Do melhor que se acharia...
-- Cala, cala, ó lavrador,
Não fales com fantasia...
No Céu te tenho guardada
Cadeira de prata fina;
Tua mulher a teu lado,
Que também o merecia.

in José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler, Lisboa, Campanha Nacional de Educação de Adultos, 1956, pp. 18-19.

(lido na sessão de 4 de Outubro de 2013)

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