17 de janeiro de 2014

POESIA




Quando na década de 70 do século XX iniciei a aventura da escrita confrontei-me com a Poesia Experimental. O tempo era de experimentações. Os artistas foram e são intérpretes e motores das mais diversas tendências culturais. Poetas como Melo e Castro, Salete Tavares, António Aragão ou Herberto Helder desempenharam bem, os seus papéis. A sua gramática poética era variável. Alternava entre a desconstrução dos textos, a fragmentação e os espaçamentos, e as artes gráficas e colagens. Igualmente se pretendia uma interacção com públicos/leitores obviamente activos e participantes.

Os actos performativos de hoje, as instalações e as montagens em vídeo , são uma presença  da Poesia Experimental no   quotidiano. O nosso movimento pelas cidades, por exemplo, compõe-se de leituras múltiplas e decisões hábeis. Num virar de página constante quando lemos, utilizamos, ou transformamos os objectos que as povoam.

 A própria publicidade reinventa e muito o texto citadino. Por isso, para compreendermos o quotidiano e os seus fenómenos foi e é importante o trabalho poético dos experimentalistas. Essa função poética aproxima-nos da realidade. Neste contexto há uma poetisa que me parece paradigmática: chama-se Ana Hatherly. Tem uma poética avassaladora de entusiasmos, trabalho persistente, possibilidades de leituras, e reinvenções na arte de comunicar.
 

A Ruptura é uma intervenção da poetisa. Esta vestida de operária sobe e desce um escadote com o objectivo de cortar em altura a tela representada por um plano de papel pardo. A Ruptura tem uma mensagem forte. Forte mas actual. A necessidade de romper com preconceitos culturais. E assim nos implicamos na construção da sociedade e da arte com responsabilidade. Como poema visual é notável. Observamos o movimento corporal, a expressão fisionómica em esforço e gradual cansaço; os ritmos ora brandos ora violentos; as sonoridades e as reacções dos observadores. É  poema total. Até pela valorização não elitista da função do artista e a democratização do trabalho intelectual.

Ana Hatherly, possivelmente,  influenciou os textos que publiquei em 76 na Exposição de Livre Poesia, no átrio da Câmara Municipal funchalense. Depois, em 77, os da antologia Da Ilha Que Somos. Sendo uma trabalhadora incansável da palavra é simultaneamente uma inovadora da lírica portuguesa. É, igualmente, uma crítica da cultura e mentalidade portuguesas. O tecido dos  textos dispersos e as inúmeras tisanas que criou são habitados não só pelo humor mas também pela sátira, e pela mordacidade.  A 4ª variação do poema Leonorana é experimentada a partir do conhecido vilancete de Camões descalça vai para a fonte/Leonor pela verdura/Vai formosa e não segura.  A autora construiu 31 variações.  Nesta temos a particularidade de encontrar uma leitura simétrica, do conhecido poema camoniano.    

2 comentários:

  1. Camarada Lau: Apreciei o texto e as experiências relatadas, achando que o experimentalismo vem e vai, por ciclos. Experimentalistas foram os dadaístas, os futuristas, os surrealistas, enquanto o visualismo poético vem já do Barroco, período histórico-literário estudado pela A. Hatherly. Não esquecer os poemas "Manucure" e "Apoteose" de Mário de Sá-Carneiro ou os caligramas de Apollinaire. O Almada Negreiros também teve a sua sessão performativa em que se vestiu de operário. :)
    Fernando Guimarães, em "A poesia contemporânea portuguesa" (final dos anos 50 aos anos 90), parece não dedicar grande atenção ao assunto. Se calhar vi mal, ou há outros textos. Tu dirás.

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