Um universo: o Bairro Amélia, subúrbio da Margem Sul, onde vive ou vegeta, crê ou ludibria, trabalha ou madraça, ri e chora, ama e odeia uma comunidade formada por retornados das Colónias, realojados doutras paragens, pequenos funcionários públicos. Escrito com enorme mestria, usando de ironia raramente distanciada, é daqueles livros cuja leitura tentamos retardar, por não querermos que termine. A observação de Pedro Mexia na contracapa é certeiríssima: "Bruno Vieira Amaral tem o génio do detalhe." A própria estrutura narrativa foi, para mim, uma coisa inteiramente nova. Do autor fiquei freguês.(da minha página do Goorreads: https://www.goodreads.com/user/show/14856264-ricardo-alves)
Um romance "sui generis" que o autor assume como tal desde a própria capa, mas que o leitor (ou pelo menos um leitor, eu) só descobre verdadeiramente quando começa a sentir-se irresistivelmente envolvido pelo pulsar incerto, mórbido, do Bairro Amélia, através do desfilar, aparentemente caótico, quase sempre triste e muitas vezes trágico dos seus personagens. As Primeiras Coisas é uma obra literária de elevado quilate, uma garrafa de excelente licor, ou um pires de deliciosos biscoitos, que o leitor sorve e consome em pequeníssimas porções, para prolongar o prazer da leitura... Bruno V. Amaral sabe espreitar para dentro das personagens, descobrir o essencial e o marcante delas e, depois, manejando a paleta com mestria, transformá-las em quadros de tocante beleza.
UM EXCERTO: "... famílias de lágrimas nos olhos a agradecer ao senhor doutor professor que era tão bom, que dava casas ao povo e aumentava as reformas, o ridículo das melhores roupas, os vestidos de cerimónia, os casaquinhos de malha, fatos de fazenda, camisas brancas com surro na gola, os sapatos engraxados e tortos de caminhadas pelas pedras e lama da estrada, o palanque erguido à pressa, os seguranças a rodearem o senhor primeiro-ministro não fosse nenhum dos pobres bem-agradecido ao ponto de lhe assestar um beijo na face severa de seminarista neurasténico e já na altura com aquele perpétuo esgar que ninguém sabia dizer se de asco se de emoção."
Romance de estreia, não parecendo tal, tal é o domínio da técnica romanesca demonstrado. Piscadelas de olho ao leitor, mais ou menos dissimuladas, um encorpado volume de referências literárias. personagens que ficam na memória -- que mais se pode pedir a um romance? Sem espanto, a atribuição do Grande Prémio de Romance e Novela da APE/2014.