29 de abril de 2025

101 poemas portugueses - #65

 

NOCTURNO DE LISBOA


Pela noite adiante, com a morte na algibeira,
cada homem procura um rio para dormir,
e com os pés na lua ou num grão de areia
enrola-se no sono que lhe quer fugir.

Cada sonho morre às mãos doutro sonho.
Dez-réis de amor foram gastos a esperar.
O céu que nos promete um anjo bêbado
é um colchão sujo num quinto andar.


Eugénio de Andrade (Póvoa de Atalaia, Fundão, 1923 - Porto, 2005)

Os Amantes sem Dinheiro (1950)

22 de abril de 2025

101 poemas portugueses - #63

 

CÉU DE SAUDADES


No céu unido dos dias como o de hoje
Que há neles que se afasta e foge?
Que é este cinzento das lousas do meu Douro
Que só encontro nas asas dos pombos bravos
Que distância me acena como leve mão de afagos
Daquela Mãe para quem eu era o seu menino de ouro.

Joaquim Gomes Mota (Tabuaço, 1922 - Estoril, 1992)

Pássaro Azul (1993)


11 de abril de 2025

o início de AUTOBIOGRAFIA DE JESUS

«Trago um mistério comigo, o meu rosto nunca sorri, mesmo quando Madalena brinca comigo à beira d'água lavando-me a cabeça com óleo de tâmara, ou quando, há muitos anos, , os meus irmãos mais novos faziam pirraças montados no lombo das ovelhas ou das cabras.» Miguel Real, Autobiografia de Jesus, Alfragide, Publicações dom Quixote, 2024, p. 21.