9 de novembro de 2014

ETERNIDADE






Quando não sabia. Mas o cavalinho de cartão entrara um dia na história da sua vida. Quando deu por ele? E são muitos quando. Quando a  fotografia de contornos pesados e rigorosos do Amândio Fotógrafo lhe devolveu a imagem. Menino com cavalo, isso mesmo. A cara plena de espanto, o colete de veludo, obviamente macio, calção, camisa branca, meia branca, sapato de fivela. A condizer com qualquer coisa animal. A pata branca do cavalo, o selim igualmente branco, a luz nas ventas. O espanto, também. Cavalo…cavalo, o nome soou.

 Mais tarde escreveria poemas dando-lhe prados maiores, veria cavalos correrem no grande ecrã, leria pinturas de cavalos em Júlio Pomar. Mas só mais tarde. O seu, de cartão e sonho quixotesco ficou agarrado ao minúsculo prado de madeira de pinho com rodízios. Quase um precipício.

Pediram-lhe que estivesse quietinho. Já  era, quietinho. E esteve mais. O momento era histórico. Sabia-o. Mas só sabia isso. Aquele era decididamente o momento. Susteve a respiração. Abriram-se-lhe instantaneamente duas luas de iluminação muito forte sobre o rosto. Ficou em décimos de segundo com as luas nos olhos. Disseram-lhe: “Já está”.

Foi a fotografia de menino com cavalo.  A única coisa verdadeiramente séria, certeira, que fez na vida. Interroga-se por vezes: fotografia? mas que é isso de fotografia? ainda não sabe. Gozou apenas aquele momento de menino-poeta-cavalo. Se a eternidade é. É aquilo: “já está”. E ele é, na marca do seu espanto aquele grão de eternidade.  

  

                                                                                       

                                                                                       

5 comentários:

  1. Muito bom, caro Laurindo!
    Obrigado pela partilha (como agora se diz...)

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  2. Belíssima peça. Toda a nossa vida se resume a instantâneos como este sem sabermos bem como lá chegámos. A verdade é que por vezes extraímos de uma imagem pueril uma substância superior a ela. É talvez a definição de "espírito" em que se confunde o espírito das coisas com o nosso, com essa capacidade de nos apropriarmos delas. "Se conseguirmos encher uma folha A4 com a transcendência de que somos capazes já a vida terá valido a pena". Digo eu. Daniel

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  3. Nota: Só consegui publicar o comentário como...anónimo!!! Analfabetismo funcional...

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  4. Inspirado. Excelente quadro (ou fotografia, provavelmente "à la minuta")!
    Um lindo poema disfarçado de elegante prosa!

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  5. Gostei e vou colar no COM OLHOS DE LER. Já agora, seria interessante ver a fotografia.

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