"- Diz a Sua Majestade que quero vê-la nua.
- Vossa Majestade está louco.A cara que fez a dama ultrapassou os limites do estupor, mas restaram-lhe forças para desabafar com a sua amiga mais próxima, e esta com a sua vizinha, e, assim, a notícia deu imediatamente a volta ao salão e chegou até ao padre Villaescusa, com a sua carga de horror e de clarividência; o capuchinho compreendeu que, entre tanta gente, só ele tinha a razão do Senhor repartida entre o coração e a cabeça, e só ele sabia como havia que agir. Não se despiu: com paramentos e casula, permaneceu no altar e, ao descer dele, fez-se preceder pela cruz e pelos ciriais; deambulou assim por corredores e galerias, de modo que, quando o Rei se aproximou dos aposentos da Rainha, com intenção de entrar, topou com ele pela frente. E quando o Rei estendeu a mão para o puxador, a cruz atravessou-se-lhe diante da porta, em ângulo inclinado sobre o eixo vertical, e nos olhos inflamados do padre Villaescusa pôde ler um veto indiscutível. A sua mão largou o puxador, persignou-se e rodou sobre si próprio. O Valido estava ali, e o Rei confiou-lhe:
- Quero ver a Rainha nua.
E afastou-se com o mesmo rosto pasmado, embora nas suas pupilas já brilhasse a esperança."
(Crónica do Rei Pasmado, Gonzalo Torrente Ballester, Colecção Essencial, Livros RTP, pg. 42)
(Crónica do Rei Pasmado, Gonzalo Torrente Ballester, Colecção Essencial, Livros RTP, pg. 42)