3 de março de 2024

101 poemas portugueses - #24.


CANÇÃO DUMA SOMBRA 


Ah, se não fosse a névoa da manhã
E a velhinha, para ouvir a voz das cousas,
                    Eu não era o que sou.

Se não fosse esta fonte, que chorava,
E como nós cantava e que secou...
E este sol que eu comungo de joelhos,
                     Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse este luar, que chama
Os espectros à vida e se inflitrou,
Como fluido mágico, em meu ser,
                    Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse o vento, que embalou
Meu coração e as nuvens, nos seus braços,
                    Eu não era o que sou.

Sem esta terra funda e fundo rio,
Que ergue as asas e sobe, em claro voo;
Sem estes ermos montes e arvoredos,
                    Eu não era o que sou.


Teixeira de Pascoais (Amarante, 1877 - Gatão, 1952),

As Sombras (1907) / Antologia Poética

(ed. por Ilídio Sardoeira)

9 comentários:

  1. Belo poema bem representativo da poesia e pensamento místico de Pascoaes alma mater do saudosismo. E nunca esquecido . Está representado e estudado na Nova 2, e, tb na Nova Renascença do Augustto Seabra..que trazia ideias de um fôlego novo.

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    1. Obrigado, Laurindo. E o seu "Tem dias"? São as eleições a afastá-lo da poesia?...

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    2. Não...o general inverno e as suas frentes frias mais depressa. Quanto ao TD veremos Já agora recordo-lhe que está a decorrer a 50ª Feira de Livro do Funchal.

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    3. O que vale é que a Primavera está achegar.
      E onde se apanha o barco?

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  2. O que somos ou: que nos fazem ser; que nos deixam ser.
    Depois, o regresso ao nada que fomos.

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    1. E oq que fazemos de nós próprios, também.

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    2. Isso é o pilar central e a minha missão na Terra, mas eu estava a comentar o poema, e o autor deambulou pelas vias acessórias.

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