16 de dezembro de 2024

as aberturas de OS MEUS AMORES

4.1. «Comédia da província - I. Prelúdios de festa». «Este ano, a Festa da Senhora das Dores devia ser coisa de estalo.» 

3. «Última dádiva». «Distante do rio apenas um tiro de bala ficava o horto do José Cosme, belo horto, ainda que pequeno, todo mimoso de frutas e hortaliças, fechado entre velhas paredes musgosas, atufadas em silvedo, comunicando com a estrada por um pequeno portelo mal seguro.»

2. «Sultão». «Ao cair da tarde, o Tomé da Eira entrava em casa cansado, esfalfado de andar um dia inteiro a mourejar no campo.»

1. «Idílio rústico». «Quando atravessou a povoação, rua abaixo, com o rebanho atrás dele, era ainda muito cedo.»


Trindade Coelho, Os Meus Amores [1891], Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.

13 de dezembro de 2024

as aberturas de CONTOS EXEMPLARES

 

4. «Praia». «Era uma espécie de clube de Verão.»

3. «Retrato de Mónica». «Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, toda a gente gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.» 

2. «A viagem». «A estrada ia entre campos e ao longe, às vezes, viam-se serras.»

1. «O jantar do bispo». «A casa era grande, branca e antiga.»


Sophia de Mello Breyner Andresen, Contos Exemplares [1962], 4.ª ed., Lisboa, Portugália, s.d.

12 de dezembro de 2024

as aberturas de PALAVRAS NÓMADAS

4. «Da identidade provisória e amarela». «Estou novamente nessa longa fila, numa rua erma, escondida da Cidade Velha, de uma decadência cinzenta a escamotear tempos áureos já quase esquecidos, junto ao edifício das migrações, a destoar do panorama humano que me rodeia.»

3. «O dragão da biblioteca». «Entro agora na biblioteca da Faculdade de Humanidades da Universidade da República Oriental do Uruguai.»

2. «A visitante». «Abro as portas da memória e entro num dia de Março de 2002, uma página de calendário já desbotada, arrancada dos muros escorregadios do tempo.»

1. «Voo para um novo tempo». «Revejo aquele 30 de Novembro de 2001 como uma espécie de retrato a sépia posto em cima da cómoda da memória, as horas atribuladas, a ida de comboio para Lisboa, depois de táxi para o aeroporto.»


Dora Nunes Gago, Palavras Nómadas, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2023.

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10 de dezembro de 2024

Pelo Tejo vai-se para o mundo (04)

 UMA ALEGRE PRUDÊNCIA
(César Franck: Sonata para Violoncelo e Piano em Lá Maior)

Tanto foi o que ignorei e o que perdi.
E no entanto salva-me o poderoso
som de Jacqueline du Prè, a violoncelista
que morreu muito jovem.
Cada um é o solista do seu próprio silêncio:
tem de saber muito bem quando deve entrar.
Se calhar sou um rato empedernido pela dor
que numa manhã de Primavera
parou para ouvir o canto dos pássaros.



UNA ALEGRE PRUDÈNCIA
(César Franck: Sonata per a violoncel i piano en la major)

És tant el que he ignorat i el que he perdut.
I, en canvi, com em salva aquell so poderós
de Jacqueline du Prè, la violoncel-lista
que va morir tan jove.
Cadascú és el solista del seu propi silenci:
li cal saber molt bé quan ha d'entrar.
Potser soc una rata que el dolor
va endurir i que, un matí de primavera,
s'ha parat a escoltar el cant dels ocells.



Joan Margarit em "Animal de Bosque"
Tradução de Àlex Tarradellas, Rita Custódio e Miguel Filipe Mochila
Língua Morta | Flâneur
Abril de 2024

pedra-de-toque #11

«Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas alumiado da luz ordinária.» 

Machado de Assis, «Cantiga de esponsais»Histórias sem Data (1884)

8 de dezembro de 2024

101 poemas portugueses #56

 

POEMA DA VOZ QUE ESCUTA


Chamam-me lá em baixo.

São as coisas que não puderam decorar-me:

As que ficaram a mirar-me longamente

E não acreditaram;

As que sem coração, no relâmpago do grito,

Não poderam colher-me.

Chamam-me lá em baixo,

Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,

Onde a multidão formiga

Sem saber nadar.

Chamam-me lá em baixo

Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante

E transparente e desgraçado e vil

Quando a noite vem, criança distraída,

Que debilmente apaga os traços brancos

Deste quadro negro -- a Vida.

Chamam-me lá em baixo:

Voz de coisas, voz de luta.

É uma voz que estala e mansamente cala

E me escuta.

 

Março de 1939


Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 1911-1939)

A Voz que Escuta (1944)