31 de outubro de 2011

Alcipe, 261

Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre, Marquesa de Alorna, nossa companheira de poesia,
nasceu há 261 anos, em Lisboa
(auto-retrato, Museu de Arte de São Paulo, Assis Chateaubriand)

30 de outubro de 2011

uma epígrafe de Gil Vicente

Mal haya quien los envuelve
Los mis amores;
Mal haya quien los envuelve.

Auto dos Quatro Tempos

(à porta de Os Meus Amores, de Trindade Coelho) 

28 de outubro de 2011

CANÇÃO DO NU, Afonso Duarte

Lindo
Mármore precioso que na alcova
Surpreendi dormindo!
E lindo
À luz dum fósforo, acendido a medo,
Despertou sorrindo.
E, lindo,
Dos olhos as meninas me saltaram
Para o nu que se estava descobrindo.

Linda!
Ficou-se ao desgasalho adormecida,
Ai vida,
Como ainda não vi coisa tão linda.

Linda,
Braços abertos em desnudo amplexo,
Seu corpo era uma púbere mendiga,
E ele é que estava pedindo,
Lindo,
O meu sexo.

Eros de Passagem -- Poesia Erótica Contemporânea, selecção e prefácio de Eugénio de Andrade, Porto, Limiar, 1982, p. 13.
(lido na sessão de 7 de Outubro de 2011).

a nossa equipa

Afonso Duarte

27 de outubro de 2011

E nisto:

Os Santos vão bem obrigado, já não é tempo de mártires por aqui. Apesar do ar sofrido com que nos tentam convencer já não tenho dúvida nenhuma de que não vão cair pois já se teriam despencado há séculos desta espécie de palco se as cavilhas os não tivessem atravessado, de lado a lado, contra a plataforma deste andor portentoso.

Carlos Daniel, Foste tu que me escreveste de Sintra?, Queluz, Distribuidora Editora Vral, 2005, p. 19.

26 de outubro de 2011

gosto de tropeçar nisto:

O pálio vai-se distanciando como um majestático elefante, soprando um ligeiro véu de poeira e incenso [...].

Carlos Daniel, Foste Tu que Me Escreveste de Sintra?, Sintra, Distribuidora Editora Vral, 2005, p. 17. 

24 de outubro de 2011

OUTONO DA ALMA, Fátima Pitta Dionísio

Pelas praias desertas ao sol-pôr
Vagueia a minha sombra fugidia.
E nos corcéis do vento o meu cabelo
Esvoaça ao sabor da tarde fria.
E no abandono dos areais lisos
A espuma vem de longe desmaiar...
Recolhem as gaivotas às cavernas
Enquanto o pescador vai para o mar.

Descerra a noite a ponta do seu manto
Sobre a terra nessa hora de magia
E as rochas vão batendo contra as rochas
Enquanto o sino canta o fim do dia.
E na solidão da praia deserta
E no escuro da noite sem luar
O Outono da minha alma se apodera
E eu caio sobre a areia a soluçar.

Da Ilha que Somos, coordenação e prefácio de A. J. Vieira de Freitas, Funchal, Câmara Municipal, 1977, p. 45.

(lido numa sessão de 2011)

20 de outubro de 2011

E esta, hein?

Passava da meia-noite quando o escrutínio terminou. Os votos válidos não chegavam a vinte e cinco por cento, distribuídos pelo partido da direita, treze por cento, pelo partido do meio, nove por cento, e pelo partido da esquerda, dois e meio por cento. Pouquíssimos os votos nulos, pouquíssimas as abstenções. Todos os outros, mais de setenta por cento da totalidade, estavam em branco.
José Saramago, Ensaio sobre a Lucidez, Lisboa, Editorial Caminho, 2004, p. 26.

19 de outubro de 2011

Bébé da semana

Ernest Hemingway

mestria

Tudo nele e dele era velho, menos os olhos, que eram da cor do mar e alegres e não vencidos.

Ernest Hemingway, O Velho e o Mar, tradução de Jorge de Sena, Lisboa, Livros do Brasil, s. d., p. 8.


(imagem daqui)

18 de outubro de 2011

e assim começa AS PEQUENAS MEMÓRIAS

À aldeia chamam-lhe Azinhaga, está naquele lugar por assim dizer desde os alvores da nacionalidade (já tinha foral no século décimo terceiro), mas dessa estupenda veterania nada ficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado (imagino que desde a criação do mundo), e que, até onde alcançam as minhas poucas luzes, nunca mudou de rumo, embora das suas margens tenha saído um número infinito de vezes.

José Saramago, As Pequenas Memórias, Lisboa, Editorial Caminho, 2006, p. 11.

15 de outubro de 2011

Ainda a propósito de

A Religiosa de Diderot

algumas notas soltas:

O estilo de base epistolar torna-o diferente do usual e dá-lhe um cunho mais intimista.
Classifico-o como um livro de intenção ou intenções: parece-me evidente que o autor quis demonstrar que, na vida religiosa, por cada madre boa, atinada, perfeita, justa, aparecem 3 vingativas, atrabiliárias, mesquinhas, ambiciosas, maquiavélicas, torpes, imorais, manipuladoras, desequilibradas ou tresloucadas mesmo.
As freiras, por outro lado, são claramente divididas em vocacionadas ou forçadas (aparecem uns bandos que não se sabe bem como foram lá parar). Em qualquer caso tornam-se, pelo ambiente e modo de vida, coscuvilheiras, invejosas, vingativas, aduladoras, manipuláveis.
Nem a freira subscritora da longa missiva, escapa a estes meandros e sombras, também ela vasculhando as movimentações das outras, manipulando, desvendando ou encobrindo, escutando o que não deve, embora se vá posicionando super omnia.
Angélica (e reconheçamos que a simples privação da liberdade de escolha já nos merece todo o apoio e uma dose ilimitada de perdão), passa por aquele tormento todo, sem pegar fogo ao convento (como chega a referir, em determinada altura), sempre acima – vai ela dizendo – de qualquer pecado, pelo menos, dos capitais.
O envolvimento com a última das madres parece-me para além da realidade. Se no início se entende a pureza dos gestos e das intenções – até porque a superiora já se especializara, com assaltos feitos anteriormente e sabia como devia conduzir a ovelha – nos encontros finais em que se sentia “doente, sem forças, com febres”… e não diz o resto, com vinte e poucos anos, parece-me ingenuidade a mais; mesmo depois de os confessores lhe garantirem que aquilo é pecado dos que levam ao inferno.
Nos padres e confessores há também uma ideia preconcebida de os classificar, desde os ingénuos e bondosos sorridentes, aos rigorosos e afáveis, aos frios mas justos, acabando nos sinceros e contundentes… que viram bandido logo que se apanham fora do sistema religioso.
Os advogados – mal afamados, na sociedade atual, surgem representados, aqui por personagem reto, empenhado, desapegado: boa alma.
Finalmente há, de qualquer modo, uma imagem da época – que não quereríamos para nós certamente.
José Marcos Serra, em 2011-09-23

100 anos de Manuel da Fonseca

Manuel da Fonseca, de quem lemos Aldeia Nova,
nasceu há 100 anos, en Santiago do Cacém.

Agustina Bessa Luís, 90 anos

Agustina Bessa Luís, de quem lemos Os Meninos de Ouro,
nasceu há 90 anos, em Vila Meã, Amarante.

14 de outubro de 2011

CECÍLIA COBRA, António Quintela Proença

Cecília me chama a minha mãe
Todos os outros cobra

Vivo no ilhéu de Câmara de Lobos
Há nove anos crescida descalça
E já fui duas vezes ao Funchal

Moro na «galaria»
São 25 quartos para 25 famílias
E 3 retretes ao lado
Nós somos 9, aqueles 6, aqueles 8
 
Sou a décima-quarta de 16 filhos de um pescador
Companheiro sem barco

Não ando na escola
A senhora diz que só para o ano vai haver sala para todos
 
O meu pai quando vem bêbado
Dá-me com cada malha
Que me mijo toda
Mas quando não, traz peixe e é bom

Sei dizer dinheiro em todas as línguas
Para pedir aos senhores bonitos e bem vestidos que cá vêm
Mesmo aos senhores do Funchal

A gente pede em inglês
Se não, não dão
Lavo-me ao domingo para ir à missa
E se lá não vou, a minha mãe dá-me porrada que me desfaz
 
O mar é a nossa horta
 
Quando troveja
A minha mãe reza e grita
Mas quando o mar alteia e quase galga a rocha
Ela diz «diabos o levem, era um freguês a menos na tasca»

Dormimos os 9 no mesmo quarto
Às vezes o meu pai manda-nos para a rua
Já tenho espreitado pela fechadura

Justiça é vir o polícia e levar a gente presa

Outro dia um homem de barbas disse que tinha o 5º. ano
Mas logo vimos que não podia ter:
Fumava Santa Maria

A minha irmã mais velha tem 4 filhos
E já anda outra vez de barriga
Ontem ouvi-a dizer para a minha mãe:
«O que mais me custa é pensar que vou ter o filho
por causa do abono»

Todos os turistas tiram retratos
Aos socalcos da vinha
Que sobem da Vila do Pico
Dizem que é lindo
O verde moço
Com que agora estão
Mas eu não vejo...
O verde mora nas vivendas do Funchal
O meu pai diz que bom para o pescador
Foi Marcelo Caetano
Tirou a guarda fiscal e deu os abonos
Nós andamos sujos
Somos tontos e falamos mal
Comemos o milho com a cebola
Se na loja fiarem
O peixe não do fino
Pior estão os filhos dos vilões
Que já têm de trabalhar nas fazendas
 
As mulheres do Ilhéu invejam a mãe da Goreti
Depois que lhe morreu o homem no mar
Recebe agora dinheiro
Como nunca antes
E não atura borracheiras.
Mas eu cá ficava triste
Se o meu pai morresse

Da Ilha que Somos, coordenação e prefácio de A. J. Vieira de Freitas, Funchal, Câmara Municipal, 1977, pp. 29-33.

(lido na sessão de 1 de Julho de 2011)

13 de outubro de 2011

sem ilusões

Aquilo que para Rothschild é uma insignificância, é para mim uma grande riqueza, e quanto a vantagens e ganhos, por toda a parte, e não apenas na roleta, os homens não fazem mais que tirar ou ganhar alguma coisa uns aos outros.

Fiódor Dostoievski, O Jogador, tradução de António Pescada, Lisboa, Biblioteca de Editores Independentes, 2007, p. 20.
(desenho: David Levine) 

12 de outubro de 2011

e assim começa O ANIMAL MORIBUNDO

Conheci-a há oito anos. Era minha aluna. Já não ensino a tempo inteiro; rigorosamente falando, já não ensino literatura, ponto final -- há anos que tenho apenas uma aula, um grande seminário sénior sobre escrita crítica chamado Crítica Prática. Atraio uma boa quantidade de estudantes femininas. Por duas razões. Porque é uma matéria com uma atraente combinação de fascínio intelectual e porque elas me ouviram no NRP a fazer crítica de livros ou me viram no Thirteen a falar de cultura. 

Philip Roth, O Animal Moribundo, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, 2.ª edição, Publicações Dom Quixote, 2006, p. 11.

a nossa equipa

Philip Roth

11 de outubro de 2011

de Ernest Hemingway para Ursula Hemingway

AMAR, Ana Paula Rosa Soares

É ter sede e querer beber
É estar fraco e com força
É ter tudo e querer sempre mais
É sentir fogo e não arder
É chaga aberta sem doer
É ganhar sem conta
É sem conta perder
É dar ao frio o maior calor
É fingir sempre que não é amor
É estar longe e estar perto
É ver água no mais seco deserto
É julgar o incerto sempre certo
É estar cego sem querer ver
É ser tudo e nada ser
É, enfim, estar morto e não querer viver.

Da Ilha que Somos, coordenação e prefácio de A. J. Vieira de Freitas, Funchal, Câmara Municipal, 1977.

(lido numa sesão de 2011)

10 de outubro de 2011

Eros de Passagem, (org.) Eugénio de Andrade

A colectânea de poesia erótica contemporânea Eros de Passagem é a segunda edição revista da colectânea Variações de um corpo. Nessa primeira edição, de 1987, cada um dos poemas seleccionados dava corpo a um desenho do escultor José Rodrigues. Em 1997, Eugénio de Andrade, responsável pela selecção, decidiu alterar os critérios de selecção, deixando os poemas, por exemplo, de acompanhar ilustrações, e, deste modo, dar conta de alterações entretanto ocorridas na produção poética nacional, nomeadamente no modo como esta dá corpo o erotismo.
A obra reúne poemas de 58 autores, em que o erotismo que se apresenta como forma de expressão física do sentimento amoroso, registando o corpo e as suas pulsões.


Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

9 de outubro de 2011

D. João VI, um olhar distanciado

Emotivo -- chorava frequentemente durante o seu atribulado reinado --, não era um génio, mas também não era o idiota que aparece retratado na propaganda antimonárquica. Passava grande parte do dia a ler papéis oficiais e em reunião com os ministros para acabar envolvido em posições impossíveis, destinado a presidir a quase uma década de embustes diplomáticos antes de as tropas francesas por fim atravessarem as fronteiras indefesas de Portugal. Minado pela indecisão, conduziu de certa forma o país pelo labirinto político de 1807-1808, um dos mais complexos períodos na história nacional e imperial portuguesa, sobrevivendo como monarca enquanto que os seus congéneres europeus eram destronados e humilhados por Napoleão.

Patrick Wilcken, Império à Deriva, tradução de António Costa, 9ª edição, Porto, Civilização Editora, 2007, p. 77. 

A Religiosa


Uma prosa elegante e uma tradução que a serve bem.  
Um livro programático, pretendendo combater a organização social estribada no poder paternal e o enclausuramento religioso, fautor de vício e desvio de personalidade.
Uma apologia da liberdade.
Um romance póstumo, escrito na Rússia de Catarina II.
Uma capa da Europa-América no seu pior, pelo oportunismo boçal e pela falta de gosto -- não desfazendo do objecto da fotografia, e não me estou a referir à cruz.
 

6 de outubro de 2011

5 de outubro de 2011

retrato(s) romântico(s)

Diderot sobre o seu retrato, pintado por Louis-Michel van Loo: «Meus filhos: previno-vos de que não sou eu. Tinha num dia cem fisionomias diversas, segundo aquilo que me preocupava. Estava sereno, triste, sonhador, terno, violento, apaixonado, entusiasta; mas nunca fui tal como me vedes ali. Tinha uma grande testa, olhos muito vivos, traços bastante acentuados, a cabeça no género de um antigo orador, uma bonomia que tocava pela estupidez, pela rusticidade dos antigos tempos. [...] Tenho uma máscara que engana o artista; seja porque ela tem muitas coisas confundidas, seja porque as impressões da minha alma se sucedem muito rapidamente e se pintam no meu rosto, os olhos do pintor não me encontram igual dum momento para o outro e a sua tarefa se torna torna-se mais difícil do que ele supunha.»

In Jaime Brasil, Diderot e a Sua Época, Lisboa, Editorial Inquérito, 1940, pp. 28-29.

4 de outubro de 2011

FRÉMITO LITERAL, António Duarte Camacho de Brito Figueirôa

frémito literal ou palavra tressuada
a morder as gengivas deputadas

um olhar crepe rés ao barro
a terra entumescida o sexo venal
o gesto afásico nos contornos flácidos
da várzea informe

palavra desconhecida inventada
o estrépito adstrito
vagalhão real
a pedra revolta
palavra desenhada para ser esquecida

recordação migratória em que te embalas
nas profundezas da madrugada
sublime o entendimento
em que arrastas o foco
do regozijo baço:
é um tempo quebrado ao longo
das portas que já não abrigam o movimento
enquanto a dor se refresca num largo voo

frémito literal ou palavra tressuada
a morder as gengivas deputadas

um sangue que acaricia ao ritmo
dum olhar que passa
o grito duma terra indecisa
a força da memória derrotada pelo lamento
nu e húmido

na fronte o vil metal
na boca o pão sem sal: frémito

Da Ilha que Somos, coordenação e prefácio de A. J. Vieira de Freitas, Funchal, Câmara Municipal, 1977, p. 17.
(lido numa sessão de 2011)

3 de outubro de 2011

"Satana, vade retro, apage, Satana"

Aquilo que começou como uma joyeuse mystification, deu um grande romance que vai proporcionar uma próxima sessão muita animada.
De forma chã e clara, um insigne membro do clube de leitura chamou-lhe um embuste bem esgalhado. Em português é que nos entendemos!
Anseio por ouvir as opiniões dos nossos leitores, mormente a do prezado amigo que sugeriu a obra.