5 de dezembro de 2011

ROÍ AS UNHAS

Roí as unhas, desvairado,
Quando as balas zuniam e matavam,
Quando atirei à noite escura
E esperei a morte.
Roí as unhas, transtornado,
Quando os amigos rezavam e choravam,
Quando fazia sutura
À ferida… à sorte.

Roí as unhas, como um louco,
Quando senti que era nada,
Atirado à noite escura,
P’ra matar.
Roí as unhas, pouco a pouco,
Sentindo a vida, já parada,
Fugindo da carne nua…
Tudo a acabar!

Roí as unhas, revoltado,
Pensando na mãe, no pai, na terra…
Farrapo ao vento,
A tiritar.
Roí as unhas, destroçado,
Moído de saudades, só, perdido…
Arma de guerra:
Morte a chorar.

Roí as unhas, mordi os dedos,
Transpirei suores gelados
De febres, agonias, incertezas,
Saudade e medo.
Roí as unhas, comi os dedos,
De olhos abertos, arregalados,
Sentindo, na garganta, presa
A corda do degredo…

Roí as unhas, roí meu corpo,
Em ânsias de voltar, de reviver…
Reviver… de reviver:
(Eu era a morte, dada e recebida!...)
Roí as unhas, aniquilei-me;
Fiz-me fera… e espantalho…
Matei e morri:
Regressei, morto…
Eu roí as unhas…
Roí as unhas…

Lido na sessão de 2 de Dezembro de 2011

Da guerra que Portugal travou, em África, de 1960 a 1974, chegou este poema, à minha mão. Do autor, sei que o estado o ferreteou com o número 13443070, quando, a pretexto de servir a pátria, o obrigou ao serviço militar.

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