2 de janeiro de 2025
o início de EU À SOMBRA DA FIGUEIRA DA ÍNDIA
10 de dezembro de 2024
Pelo Tejo vai-se para o mundo (04)
pedra-de-toque #11
«Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas alumiado da luz ordinária.»
Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)
8 de dezembro de 2024
101 poemas portugueses #56
POEMA DA VOZ QUE ESCUTA
Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não poderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro -- a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
Março de 1939
Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 1911-1939)
A Voz que Escuta (1944)
6 de dezembro de 2024
29 de novembro de 2024
101 poemas portugueses - #55
SONETO
Eu tenho a pagar 10 e na carteira
Apenas tenho 8. Eis a arrelia.
Eis-me buscando em mente uma maneira
De pagar o que devo em demasia.
E fico às vezes nisto todo o dia,
Um dia inteirinho em estúpida canseira.
Se busco distrair-me, de vigia,
Olha-me a rir a dívida grosseira.
E entretanto na rua vão passando
Carros de luxo, altivos salpicando
O lodaçal dos trilhos sobre mim...
E sinto, na revolta, o algarismo,
Do trono do brutal capitalismo,
A rir de nós, os bobos do festim!
Rui de Noronha (Lourenço Marques [Maputo], 1906-1943),
in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban III (1996)
25 de novembro de 2024
pedra de toque #10
«Almas, desesperos, ambições, impotências -- e a trégua desta noite, em volta da lareira.»
Ferreira de Castro, «O Natal em Ossela», (1932/1974), Os Fragmentos
24 de novembro de 2024
101 POEMAS PORTUGUESES . #54
INSTANTE
A cena é muda e breve:
Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve.
Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer
E a vida
Pára também, a ver.
Miguel Torga (São Martinho de Anta, Sabrosa, 1907 - Coimbra, 1995)
Diário I (1941)
15 de novembro de 2024
pedra de toque - #9
«Mary virara-se outra vez de costas e Giovanni quis adivinhar-lhe a direcção dos olhos, acompanhá-los depois no voo extasiado que terminava na torre do Palazzo Vecchio.»
Augusto Abelaira, A Cidade das Flores, 1959
13 de novembro de 2024
101 poemas portugueses - #53
PARTIR!,,,
Já sei de cor os passos de cada dia,
na boca as mesmas palavras
batidas nos meus ouvidos...
-- Ai as desgraças humanas destas paisagens iguais!...
Abro os olhos e não vejo
já não ando, já não oiço...
Não posso mais...
Grita-me a Vida de longe
e eu vou-me embora para além do Tejo.
Passa a ave no céu bebendo azul e diz: Vem!
O vento envolve-me numa carícia,
envolve-me e murmura: -- Vem!
As ondas estalam nas praias e vão mar fora,
as mãos de espuma a prender-me os sentidos
chamam no fundo dos meus olhos: -- Vem!
-- Camaradas, eu vou, esperai um pouco...
Ai, mas a vida nunca espera por ninguém...
E a noite chega vingadora;
o vento rasga-me o fato,
as ondas molham-me a carne
e a ave pia misticamente no ar;
abro os olhos e não vejo,
já não ando, já não oiço
-- e fico, desgraçado de ficar!...
7 de novembro de 2024
pedra-de-toque #8
«Súbito, uma revoada de vozes escapou-se em surdina do âmago da igreja e derramou pelo claustros o clamor inquietante duma dolência arrastada.»
Manuel Ribeiro, A Catedral, 1920
29 de outubro de 2024
pedra-de-toque #7
«O automóvel roda apressado, galgando covas, trepidando, queixando-se da aspereza do caminho.»
Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», A Capital, Lisboa, 29-III-1917
27 de outubro de 2024
101 poemas portugueses - #52
TRISTÍSSIMA CANÇÃO
22 de outubro de 2024
pedra-de-toque #6
«É um pobre -- é um pobre de pedir --, é um fantasma.»
Raul Brandão, O Pobre de Pedir, póst., 1931
21 de outubro de 2024
pedra-de-toque #5
«À beira da estrada, as duas filas de altas e esbeltas árvores, martirizadas pelo frio, parecem sentinelas que não se fatigam nunca, guardando e vigiando este pedaço de terra francesa...»
Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», A Capital, Lisboa, 29-III-1917
19 de outubro de 2024
17 de outubro de 2024
Pedra-de-toque #4
«A obra em si mesmo é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.»
Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881
16 de outubro de 2024
101 poemas portugueses - #51
CANTAM AO LONGE
Cantam ao longe. Anoitece.
Faz frio pensar na vida;
E a Natureza parece
Dizer, em voz comovida,
Que o Homem não a merece.
Carlos Queirós (1907-1949),
Desaparecido (1935)
15 de outubro de 2024
O certo é que, esta manhã, ao fazer a minha habitual visita à loja da Bertrand do Allegro de Sintra, dei com este novo romance de Miguel Real (aliás, apetitoso). E não é que uma das primeiras páginas é ocupada com este poema do nosso ilustre confrade do C.L.M.F.C., Manuel Nunes, sendo encimada com a nota: "O mais belo poema sobre Jesus escrito em Portugal em 2023".
Muito justo destaque. Mais do que um privilégio, é um orgulho para mim partilhar aquele cenáculo com Manuel de Matos Nunes!
14 de outubro de 2024
Pedra-de-toque #3
«Ele pertencia à família dos Milhanos de Marinhais, sempre famosos no Ribatejo como arrozeiros sabidos e safos de mândria.»
Alves Redol, Gaibéus, 1939
11 de outubro de 2024
Pedra-de-toque #2
«E era o único grito que quebrava o silêncio, também volátil, das velhas árvores em êxtase.»
Ferreira de Castro, Emigrantes, 1928
10 de outubro de 2024
Pedra-de-toque #1
«A água vinha de longe por uma caleira de pedra, e era sua uma toada tão leda e inquebrantável, que parecia mesmo a pulsação do silêncio.»
Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, 1918
5 de outubro de 2024
Poesia Portuguesa (04)
4 de outubro de 2024
o início de GENTE COMUM - UMA HISTÓRIA NA PIDE
2 de outubro de 2024
101 poemas portugueses - #50
POEMA DO CÃO AO ENTARDECER
Um cão no areal corria presto.
23 de setembro de 2024
101 poemas portugueses - #49
RECREIO
Na claridade da manhã primaveril,
Ao lado da brancura lavada da escola,
As crianças confraternizam com a alegria das aves...
A mão doce do vento afaga-lhes os cabelos,
E o sol abre-lhes rosas nas faces saudáveis
-- Um sol discreto que se esconde às vezes entre nuvens brancas...
As meninas dançam de roda e cantam
As suas cantigas simples, de sentido obscuro e incerto,
Acompanhadas de gestos senhoris e graves.
Os rapazes correm sem tino e travam lutas,
Gritam entusiasmados o amor espontâneo à vida,
A vida que vai chegando despercebida e breve...
E a jovem mestra olha todos enlevadamente,
Com um sorriso misterioso nos lábios tristes...
Alberto de Serpa (Porto, 1906-1992),
in José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler (1956)
16 de setembro de 2024
o inicio de A VIAGEM PARA A LITERATURA -- OU O DESTINO DE FERREIRA DE DE CASTRO
13 de setembro de 2024
101 poemas portugueses - #48
NASCIMENTO
A minha égua lazã
Teve uma linda cria,
Nascida antemanhã,
Mal, ao de leve, despontava o dia...
Cá fora,
Na placidez da hora enregelada e fria,
Silenciosa e deserta
A terra dormitava.
E pela porta aberta
Da velha estrebaria,
Um hálito de vida se escapava
E, como fumo, manso se perdia.
Sombras de uma lanterna fraca
Dançavam, ágeis, na parede escura.
E brandamente,
Naquela luz opaca,
Tudo envolvia uma doçura quente.
Sobre a palha doirada,
Enquanto o sol aos poucos
Ia surgindo à porta,
A mãe jazia, agora descansada.
E a dois passos, imóvel e estirada,
A cria parecia ter nascido
Pra logo ficar morta,
O corpo já doído
Do trabalho da vida começada.
Venho assomar-me à porta,
A contemplar o meu amigo dia.
E o campo, todo branco de geada,
Brilha até onde a minha vista alcança...
E, infantilidade,
Ou despropositada poesia,
O nascimento, a hora, a luz do dia,
Dão-me um fecundo amanhecer de esperança.
Francisco Bugalho (Porto, 1905 - Castelo de Vide, 1949)
presença #51, Coimbra, Março de 1938,
6 de setembro de 2024
101 poemas portugueses - #47
OCEÂNIAS
Ondas do mar me deitaram
sobre o calor das areias
que ao meu corpo se moldaram
pra aquecer as minhas veias.
E aquele corpo de escrava
dando-me força a vencia
pelo gozo que me dava
para o gozo que sofria.
A noite vinha a descer
e subia a maré-cheia...
Eu já tinha o meu poder:
fugi à praia, deixei-a.
Foi assim que regressei
das conquistas do mar bravo,
e ergui palácios de rei
sobre refúgios de escravo.
Branquinho da Fonseca (Mortágua, 1905 - Malveira da Serra, Cascais,1974),
in presença #7, Coimbra, 8-XI-1927
27 de agosto de 2024
LIRA MAIOR (5)
HORICLOR
Caem das gargantas negras
as plumas
com que Horiclor se
enfeita e se perfuma.
O tempo ondula a sua face
lisa
em que pousam os pássaros
anónimos.
Ele lava os presságios e
o motor da aurora
e desafia o vazio com um
arco-íris de nomes.
A partitura do vento, dos
eclipses e distâncias
é um jogo em suas mãos de
embriagado aeronauta.
Quando o silêncio da
terra é absoluto
desenha ovelhas ou apenas
uma árvore.
Outras vezes faz tremular
uma bandeira de miséria
e sonho. Ele sabe onde se
esconde a flor que nasce
do sexo das sereias e
conhece a eloquência das magnólias.
Às vezes deseja que sopre
um vento desesperado e se apaguem as estrelas
e um túmulo se abra com
uma onda no meio.
O seu pensamento é inundado
por rios subterrâneos
e as suas palavras brotam
de uma pequena lâmpada situada no horizonte.
Então o vento abre os
olhos e as torres incendeiam-se.
ANTÓNIO RAMOS ROSA – Nomes de Ninguém (1997)