21 de janeiro de 2022

VATES (5)


AOS VINDOUROS, SE OS HOUVER...

Vós que trabalhais só duas horas
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;

que do amor sabeis o ponto e a vírgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem preçarios, calendários, Pílula,
jaculatórias fora, tarde ou cedo; 

computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memória,
que nós fomos pràqui uma gentalha
a fazer passamanes com a história;

que nós fomos (fatal necessidade!)
quadrúmanos da vossa humanidade.

ALEXANDRE O' NEILL, De Ombro na Ombreira (1969)

Nota: O' Neill, uma poesia que vai do satírico ao elegíaco (lembremo-nos de "Seis poemas confiados à memória de Nora Mitrani", Poemas com Endereço, 1962), aqui com uma saborosa antevisão de tempos  marcados pelo imaginário do nuclear, da computação, do amor livre e da sociedade do lazer. Mais de meio século depois, que dizer das palavras do poeta?

2 comentários:

  1. O perfurar do computai indica a vetustez relativa do poema, creio.

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  2. A nota que fizeste é uma excelente linha de leitura para este soneto. São por estas e por outras que os Cadernos foram tão importantes despertando-nos para as voltas de uma nova linguagem.continua.

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