18 de setembro de 2011

olhar de frente

«O Bispo olhou-o. Era um homem igual a muitos outros. Lembrava a gente de Varzim. Tinha lama nos trapos e a escrita da fome na cara. Nas mãos havia um gesto de paciência. Um gesto muito antigo de paciência. E de repente pareceu ao velho Bispo que todo o abandono do mundo, todo o sofrimento, toda a solidão, o olhavam de frente no rosto daquele homem. Coisa difícil de olhar de frente.»

Sophia de Mello Breyner Andresen, «O jantar do Bispo», Contos Exemplares, Lisboa, Portugália Editora, s. d., p. 67.

A exemplaridade destes contos de Sophia, publicados em 1962 e prefaciados por D. António Ferreira Gomes, o bispo do Porto então no exílio.
Exemplaridade porque escritos sob a pureza de uma mensagem cristã, ao arrepio da Igreja oficial, comandada pelo cardeal Cerejeira, conivente com um país onde imperava a pobreza e o medo; Igreja que, cúmplice de um estado policial, se atraiçoava a si própria. Por isso, aqueles que não suportaram a mentira e olharam de frente, tiveram os destinos que são conhecidos. 

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